sexta-feira, 27 de março de 2015

MÃOS À OBRA: CADA CASA A SEU DONO


Aí está algo que nos fascina: casas. Gostamos de as observar, de as fotografar, de imaginar como são por dentro. Como se fosse um jogo, buscamos pormenores que nos revelem os segredos de quem as habita. Quando viajamos, trazemos na bagagem centenas de fotografias de casas. Há dias em que nos entretemos a escolher aquelas onde gostaríamos de viver.


Coincidência ou não, o livro de Didier Cornille, recentemente editado pela Orfeu Negro, chegou-nos às mãos quando estávamos de partida para Espanha. Lemos a introdução: A arquitectura  parece complicada, mas vais ver que é absolutamente fascinante. Não perdemos tempo. Metemos mãos à obra e trouxemo-lo na mala. 


Para nos fascinar, o autor escolheu onze casas contemporâneas projectadas por alguns dos mais célebres arquitectos do mundo. Começamos por entrar na Casa Schröder, a mais antiga das onze. Foi construída pelo arquitecto Gerrit Rietveld, em 1924 e é uma casa onde tudo é móvel.



Numa abordagem simples e cativante, casa a casa, Didier vai falando dos motivos que originaram a construção, da localização, dos materiais, da forma como foram utilizados... 



Durante a viagem, as comparações tornam-se inevitáveis. Enquanto nos demoramos na  bela Andalucía, vamos olhando as casas, procurando semelhanças, conversando sobre  materiais...



Entramos em Granada a falar de Siza Vieira, uma vez que a sua arquitectura merece destaque no livro. A magnífica Casa Beires, na Póvoa do Varzim, e o Pavilhão de Portugal são algumas das obras escolhidas.




Coincidência ou não, ao chegarmos a Alhambra damos de caras  com uma exposição do arquitecto português. Não admira que o espanto tenha sido bem audível.


A explicação é simples. Siza Vieira é o arquitecto responsável pela construção de La Nueva Puerta de la Alhambra, cujo projecto começará a ser executado no próximo ano. 



Gostamos de casas. Gostamos de coincidências.


E gostamos muito  do poema de Mario Benedetti, ésta es mi casa, que termina assim: Y yo no sabré dónde guarecerme porque todas las puertas dan afuera del mundo.

sábado, 21 de março de 2015

Bom Fim de Semana & Muita Poesia

Gémeo Luis



LETRA, PALAVRA

Vasculho no cesto das letras
até encontrar um g.
Continuo a vasculhar
até descobrir um a.
Remexo, remexo, remexo
até encontrar um t.
E lá no fundo de tudo
descubro por fim o o.
Componho então a palavra.
Mas p'ra não ficar sozinha
arranjo-lhe já companhia
formando mais três palavrinhas:
telhado, sol e sardinha.

João Pedro Mésseder, in O g é um gato enroscado, Caminho, 2009

sexta-feira, 20 de março de 2015

Não Há Dois Iguais



Gostamos do formato. Da cor forte que se aloja nos olhos, impedindo-nos de os desviar. O título põe-nos a cabeça à roda. Não Há Dois Iguais. Arriscamos. Apenas com uma certeza... Gostamos dele, antes mesmo de o abrir. 


Também gostamos de enigmas! Começamos a ler e descobrimos que existem em todos os países, nas terras altas e nas planícies longínquas, nas urbes populosas e nas aldeias esquecidas. 


Viramos as páginas. Lentamente. Todavia, inquietos para  alcançar a solução. A cada uma parece corresponder um novo equívoco da nossa parte. Não, também não pode ser... Existem em qualquer lugar, apesar de não serem fáceis de conseguir.


Ainda assim, não vamos resistindo à tentação de palpitar. Engordamos de curiosidade. Podem ser vistos a qualquer hora ou escapar a qualquer momento. No início de uma manhã solitária ou no final de uma noite de eclipse.


Não há dois iguais. Pensamos em tanta coisa! Podem ser alegres como um melro e tristes como aquela canção. O desafio agiganta-se. Entre o que se revela escondido e o que pensamos desvendar, as sugestões são muitas. 


Envolto nas palavras e nas imagens, o mistério é guardado até ao fim, onde  urge abrir a dobra que o oculta.  A beleza e a poesia do que encontramos, numa perfeita fusão entre palavras e imagens, faz-nos regressar a cada momento do caminho até ali percorrido. Agora, repleto de sentido.


Sim, sem dúvida, uns parecem inquietantes como um vulcão e outros, mágicos como o voo que emigra. Nós também gostamos muito! Deles e do livro!


Catarina Sobral dispensa apresentações. Conhecemos-lhe o talento, admiramos-lhe o trabalho e são grandes as expectativas a cada novo livro. Num jogo inteligente, com a alternância da cor do fundo das páginas a acentuar os opostos, mantém-se fiel à dualidade que se inicia no título, envolvendo o leitor no mistério. Do autor espanhol Javier Sobrino relembramos sempre Um Segredo Do Bosque, ilustrado por Elena Odriozola e editado pela OQO, em 2009. O que têm em comum ? Não Há Dois Iguais.


O livro, editado pela Kalandraka, chega hoje às livrarias. No mesmo dia em que se assinala  o Dia Internacional da Felicidade. Coincidências...

quinta-feira, 19 de março de 2015

Poemas à Solta

Sábado, comemora-se o Dia Mundial da Poesia. Aqui, os poemas já andam à solta.

Miguel Ángel Díez

O pesadelo do gambozino

Esta noite sonhei
que um menino dizia
que eu não existia...

Beatriz Osés, in O Segredo do Papa-Formigas, Kalandraka, 2010.

Cristina Valadas


A MOSCA

Deus criou a mosca 
Num momento de inspiração
Mas depois esqueceu-se de nos dizer
Por que razão

Ogden Nash, in Poemas com Asas, Assírio & Alvim, 20o9

Pais, Bom Dia!


Há pais fortes como gorilas e alegres como hipopómatos. E que nos fazem rir. Há pais muito fortes e grandes, mas que na hora de ir para a cama... têm medo do escuro! Há pais que escrevem cartas que nos mudam a vida. Há pais que são sofá, motor e até pássaro! Heróis, capazes de nos darem a Lua! Hoje, relembramos alguns.



Mas allá, papá! Chardin entre líneas, é um livro sobre uma emotiva carta de Jean-Siméon Chardin,um dos principais pintores do séc.XVIII, para o filho Jean-Pierre, também pintor, num momento em que este se confronta com dificuldades em acabar os seus quadros.


É um livro carregado de poesia, pleno de amor, cheio de coisas pequenas e grandes.





 Les bras de papa, rien que pour moi. 

Presente em todos os momentos, o seu herói é capaz       das mais diversas proezas. É assim que, por exemplo, na hora da piscina, encontramos um pai barco que permite enfrentar ventos e marés. Um pai avião particular ou tapete voador que a conduz nas alturas...  






   My Father's Arms are a Boat


Às vezes fechamos um livro mas não saímos dele.     Silenciosamente, guardamo-lo entre as mãos, apertamos-lo junto ao peito, como se quiséssemos eternizar dentro de nós tudo o que ele contém. Nesse tempo de silêncio, sentimo-nos privilegiados, gratos por nos termos cruzado com ele.








Um relato divertido e hilariante que vai revelando a visão do petiz acerca de cenas bem nossas conhecidas do dia a dia...











Quando se tem a mãe mais bonita, mais inteligente, mais forte, mais... mais..., mas não se tem pai, é compreensível que procuremos um, no mínimo, com iguais atributos. Um papá à medida.






quarta-feira, 18 de março de 2015

Porquê?


Serge Bloch


Porque é que os espelhos estão do avesso?
Porque é que os limões não são doces?
Porque é que as lesmas não têm concha como os caracóis?
Porque é que o B vem depois do A?
Porque é que as formigas são tão pequenas?
Porque é que as cenouras não crescem nas árvores?
Porque é que o Alfredo é alto?
Porque é que os arco-íris não entram em casa?
Porque é que não se frita o leite-creme?
Porque é que os morcegos se penduram de pernas para o ar?
Porque é que as cebolas não choram?
Porque é que amanhã não é hoje?
Porque é que as cabeças têm cabelo?
Porque é que uma urtiga não é uma rosa?
Porque é que os círculos não são quadrados?
Porque é que os cavalos não mugem como as vacas?
Porque é que Julho não é Maio?
Porque é que tens as mãos nos ouvidos?
Porque é que te estás a ir embora...?

Richard Edwards, in O Tigre Na Rua e Outros Poemas, bruaá editora, 2012


Porque a Poesia é Coisa de Todos os Dias

No próximo Sábado celebra-se o Dia Mundial da Poesia. Porque o poema não tem dia nem hora, começamos hoje a festejar! Dia e noite, os poemas vão andar por aqui à solta! Escolham um... ou vários... para ler com as vossas crianças. Se quiserem, juntem-se à festa e deixem um aqui. Um POEMA, claro!

Danuta Wojciechowska


Os livros

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca, 
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo "eu" entre nós e nós?

Manuel António Pina, in Como Se Desenha Uma Casa, Assírio & Alvim, 2011


Javier Zabala

POR QUÉ NOS PREGUNTAMOS COSAS  

Las preguntas nos recuerdan
que no lo sabemos todo,
que una parte de nosotros
siempre será un misterio.
Sin las preguntas
no sabríamos esto
y seríamos idiotas.
Porque un idiota
no es el que no sabe nada
sino el que se cree que lo sabe todo.
Victoria Pérez Escrivá, in Por Qué Nos Preguntamos Cosas, Thule Ediciones, 2013

segunda-feira, 16 de março de 2015

Este Chapéu não é Meu

 Chapéus há muitos, mas os de Jon Klassen são únicos. 



Ainda os leitores se deliciavam com o genial I Want My Hat Back (em português, Quero O Meu Chapéu) e já o autor lançava This Is Not My Hat, livro vencedor da Caldecott Medal 2013 e da Kate Greenaway Medal 2014. Pela mão da mesma editora, a Orfeu Negro, o premiado  Este Chapéu Não É Meu já anda pelas nossas livrarias.


Entre outras coisas, os dois livros têm em comum não só um final invulgar, com uma boa dose de humor negro, como também um pequeno ladrão de chapéus e um legítimo dono de proporções que impõem respeito.


Em Quero O Meu Chapéu, de que falámos aqui, o protagonista é um urso bonacheirão que, de forma educada, vai perguntando a todos os animais com que se cruza, se viram o seu chapéu. O livro reserva-nos um final surpreendente, quando, sem qualquer rodeio, o simpático urso acaba por comer o pequeno coelho que se tinha apoderado do seu chapéu.


No livro que agora nos chega, há uma inversão de protagonismo. O pequeno ladrão que aqui vemos é o próprio narrador da história. E o factor surpresa surge  bem no início, quando o leitor é confrontado com a sua confissão: Este chapéu não é meu. Acabei de o roubar.


Apesar do crime cometido, a sinceridade da pequena criatura desencadeia no leitor um fenómeno de empatia que cresce página a página, na mesma proporção da ingenuidade que o narrador vai revelando.   


Brilhantemente construído, o livro conta-nos em simultâneo, duas histórias opostas, a das palavras e a das imagens. Enquanto o pequeno e confiante peixe fala do  roubo, das circunstâncias em que o cometeu, do mais que provável desconhecimento do dono do chapéu e do seu plano de fuga,  as imagens vão revelando uma realidade bem diferente.



A contradição entre as duas histórias é uma evidência. As imagens mostram ao leitor o oposto dos pensamentos que o pequeno peixe lhe vai confidenciando. Por exemplo,  enquanto ele nos conta que roubou o chapéu quando o peixe grande estava a dormir e que ele talvez não acorde tão cedo, vemos o peixe grande de olhos bem abertos... Quando ele invoca a esperança de que mesmo que o outro acorde, talvez não dê pela falta do chapéu, o olhar do peixe grande é bem elucidativo de que já deu pela falta dele... 



Klassen volta a um jogo minimalista de que tanto parece gostar, colocando no olhar das personagens uma boa parte da resolução do enigma das histórias. A forte convicção de que nunca será apanhado e a segurança dos seus planos de fuga são contrariados, a cada dupla página,  pelos planos dos olhos do peixe grande.



É um jogo hilariante, em que o leitor cedo descobre que sabe algo que escapa ao pequeno peixe. Apetece chamá-lo, avisá-lo... que o crime não compensa! Os leitores mais novos desassossegam-se a cada confissão desmentida pelo que os olhos vêem! É essa originalidade, consubstanciada no facto do leitor saber mais do que o  narrador, que parece desconhecer o seu próprio fim, que torna a história tão genial!



Consciente do seu crime, o pequeno ladrão organiza a fuga para um lugar onde as plantas crescem e ficam grandes e altas, muito juntinhas. Um sítio absolutamente seguro, onde se vê muito mal, o que lhe confere a certeza de nunca ser encontrado. É aí que o leitor o vê pela última vez,  emergindo no seu ultra secreto esconderijo. E mais não dizemos.


Com o estilo minimalista que o caracteriza, Klassen parece ter a virtude de nada deixar de fora. O formato horizontal escolhido para o livro e o aproveitamento da dupla página transmitem, na perfeição, a ideia de movimento inerente à fuga e à perseguição protagonizadas na história. De certa forma, a lembrar-nos Leo Lionni e o seu Nadadorzinho. O fundo preto escolhido pelo autor revela-se em verdadeira consonância com a boa dose de  humor negro de que a história se reveste. 


Com uma estrutura aparentemente simples, Klassen consegue, mais uma vez, uma história capaz de despoletar reacções bem complexas. Um livro inteligente e desafiador. 


Depois da visita dos ladrões de chapéus, resta-nos aguardar que a Orfeu Negro traga o próximo livro. Até apetece dizer: não interessa qual, Mr. Jon Klassen é sempre genial!