segunda-feira, 28 de setembro de 2020

És Importante. Um Livro Precioso


Depois de Gaston e Outro, a editora Orfeu Negro traz para Portugal mais um livro do californiano Christian RobinsonÉs Importante chega na altura certa. No meio de uma  pandemia que virou do avesso hábitos e rotinas, não podia ser mais oportuno valorizar o papel de cada um no mundo e mostrar às  crianças que todos contam. Independentemente de quem somos, onde estamos ou do que temos. Elas, seguramente, agradecem esta singular e maravilhosa forma de elevação da auto estima. Todos são importantes. Todos fazem a diferença. 
A dedicatória do autor é elucidativa: Para quem não tem a certeza se faz a diferença.


Robinson demonstra uma singular e inteligente subtileza nas formas que encontra de contar o mundo. Neste caso, a história começa mesmo antes de abrirmos o livro. A genial diversidade de crianças que vemos na capa e a óbvia importância da tarefa que cada uma desempenha  no grupo aliadas ao título são, para o leitor, premissas de uma brilhante história guardada nas páginas de dentro. As guardas abrem caminho e acolhem o leitor numa grande cidade, onde podemos localizar as crianças a brincar. Ao invés do que seria  expectável, a primeira página é minimalista. Nela, uma criança negra, que nos lembra Outro, observa através de um microscópio. Uma coisa tão mínima que mal se vê.



As poéticas frases curtas que compõem o texto dão ao leitor a medida exacta do que é essencial. Repetindo-as em cenários diferentes, o autor oferece-nos uma história circular de grande brilhantismo. O último a ir e o primeiro a chegar. És importante. 


A cada virar de página, o leitor vai percebendo que tudo é uma questão de perspectiva. Melhor, de perspectivas. Da forma como olhamos o mundo e nos ligamos a ele. Grande ou pequeno, o último ou o primeiro, a favor ou contra a maré, velho ou novo, longe ou perto... Todos contamos. Todos somos importantes.
A diversidade está espelhada em todas as páginas e, dificilmente, existirá uma criança que não se identifique com o grupo. 

O microscópio inicial  cede lugar a um cenário cósmico, onde todos continuam a ser importantes. As imagens vão dando conta de como todos estamos ligados.  E essa é a maior das subtilezas, quase como se o leitor não detetasse a continuidade existente na narrativa. A astronauta, uma  mulher negra, exibe a fotografia de um rapaz negro, que por sua vez aparece nas páginas seguintes... São várias as conexões que a linguagem imagética permite ao leitor descobrir enquanto percorre o livro. E vale a pena percorrê-lo muitas vezes. 


O livro de Robinson teve ainda um outro sentido de oportunidade no seu lugar de origem, uma vez que coincidiu com o auge dos protestos sociais originados pela morte de George FloydEm entrevista ao Milwaukee Journal Sentinel, aquando da apresentação virtual do livro, o autor sublinhou: "realmente acredito que a maioria dos problemas do mundo hoje tem a ver com as pessoas não sentirem que são realmente importantes ou valiosas. E eu acho, é claro, que tudo começa na infância. Sim, eu acho que o mundo pode ser um lugar diferente se recebermos essa mensagem logo no início e realmente acreditarmos nela." 
Nós também! E ainda achamos que Christian Robinson se tornou um autor importante no panorama da literatura infantil. Ainda que à distância, estamos ligados. E vocês?

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Os Vizinhos. Regressamos em boa companhia.



Boa vizinhança é o que todos queremos, ainda mais no contexto atual. As distâncias são para manter, os beijos e os abraços são para evitar, mas a verdade é que vivemos cada vez mais perto uns dos outros. Se é certo que não andamos por aí a entrar em casa uns dos outros, nada impede que, por vezes, até tentemos imaginar como vivem aqueles com que nos cruzamos diariamente. Isso é o que faz, de forma invejável, a protagonista desta história de autoria da israelita Einat Tsarfati, editada entre nós pela Fábula.


A pequena vive num prédio de sete andares, habitando o último. Enquanto sobe a escadaria, vai mostrando as portas, todas elas diferenciadas por alguns elementos que lhe alimentam a imaginação e a fazem adivinhar a vida para lá delas. É uma visita guiada que deleita pequenos e grandes leitores.


Os pormenores que lhe alimentam a curiosidade e a imaginação são tão fabulosos quanto surpreendentes. Cheiros, sons, pegadas de lama, "montes de fechaduras"... levam a pequena a adivinhar o que se passa no interior de cada habitação. O que o leitor espreita a cada andar é um festim para os olhos e para os sentidos. À medida que entramos e saímos de cada casa, vamos desejando que o prédio tenha o dobro dos andares.


A imaginação da nossa protagonista não tem limites e encontra-lhe uma extraordinária e peculiar vizinhança. Gatunos, caçadores, acrobatas, vampiros, piratas... Este é um prédio onde todos queremos morar! A correspondência que ela estabelece entre os detalhe das portas e a vida para lá delas é hilariante e contagia-nos ao ponto de tentar adivinhar, também, quem vive nos andares seguintes. Mas, dificilmente, o leitor conseguirá acompanhar a sua prodigiosa capacidade de adivinhação.


A porta com "montes de fechaduras" é a morada de uma exuberante família de gatunos, as pegadas de lama antecedem a casa de um velho caçador e do seu tigre de estimação...Para cada um, Tsarfati pinta e recria um maravilhoso mundo rico em detalhes e assente numa parafernália de objectos e cores. Num registo que nos lembra o trabalho de Benjamin Chaud e onde andar à procura de Wally não seria hipótese descabida, o humor existe em quantidade avultada.


Mas é no sexto andar, a um lance de escadas da sua casa, que a pequena sempre se demora mais. Fica a ouvir o som de "música muito fixe". É lá que os leitores conhecem uma admirável família de músicos que festeja os anos de alguém pelo menos uma vez por semana. 


Então e a casa dela? Perguntarão vocês, agora que chegámos ao sétimo andar. Aparentemente, trata-se de uma casa "normal". E até parece que,  contrastando com tão ilustre vizinhança, os pais "são uma grande seca". Será? 
Vão até lá com as crianças, surpreendam-se e divirtam-se em casa destes vizinhos de alto gabarito. Este é um livro onde não vão querer deixar de entrar. De abrir todas as portas. Muitas vezes.