quinta-feira, 31 de maio de 2012

os meus passos



Ilustração de Madalena Matoso, O Livro da Tila


Os meus passos são de flores.
Eu, uma vez, pisei o sol: mas não o magoei
porque os meus pés são pequeninos.

Vitor Pinho (8 anos)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Bom dia, Crianças!



   

A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as coisas existem, que é existindo
Sabe que existir existe e não se explica
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir
Sabe que ser é estar em um ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos

terça-feira, 29 de maio de 2012

A Arte do Penico

Acordámos com vontade de revisitar um livro. Gostamos tanto dele... Talvez seja a proximidade do Dia da Criança que nos fez lembrar... ou talvez não.  






Como já adivinharam, andámos a folhear o hilariante e inesquecível livro de Jean Claverie e Michelle Nikly, A Arte do Penico.



segunda-feira, 28 de maio de 2012

Dia Mundial da Criança...vem aí

O Dia Mundial da Criança aproxima-se e a semana começa a desenhar-se cheia de actividades e eventos destinados aos mais pequenos. Porque a criança é  de todos os dias, aqui nos Hipopómatos todos os dia são da criança. Mas vamos andar por aí...

Ilustração de Costa Pinheiro

O menino aprendeu a brincar 
com as conchas,
com as coroas de limos, 
com os segredos dos búzios,
com os barcos de coral
e com a magia das palavras.
Um dia acordou 
e chamava-se sonho,
um dia cresceu
e chamava-se poesia.

José Jorge Letria, A Ilha do Menino Poeta

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Los Siete Hermanos Chinos

Hoje falamos de Los Siete Hermanos Chinos, ilustrado por André da Loba, num registo um pouco diferente do habitual.

Editado pela OQO Espanha, é um livro que conta a história de sete irmãos chineses, que na verdade são só seis, mas que, no princípio da história, são apenas cinco.

Todos os cinco são exactamente iguais. A mãe, para não se confundir, chama-lhes (a todos, todinhos) Li.
                                     
Com o passar do tempo, os irmãos Li foram arranjando formas de se distinguirem uns dos outros. Esta distinção faz despoletar o enredo deste conto repetitivo em jeito de acrescento. Cada irmão traz um novo sentido à narrativa, contribuindo com a sua particularidade para enganar os tontos que condenam um dos irmãos à morte.


André da Loba ilustra este hilariante conto de Rodolfo Castro, optando pelo uso de duas ou três cores, numa alternância entre curvas e linhas rectas, criando um estilo de estampagem geométrica que resulta lindamente no conjunto da obra. As características dos irmãos são marcadas pelo desenho dos olhos em bico e do chapéu. A diferença de cada um mostra-se pelos pormenores que os acompanham. Deparamo-nos com o recurso à simplicidade, roçando o minimalismo, que certos sinais gráficos estereotipados conseguem traduzir, não caindo, no entanto, no banal.


Psst! OQO, aguardamos edição em Portugal.
Adoramos ver os nossos autores por outras bandas. Encontrámo-lo na Feira do Livro de Bolonha, muito bem acompanhado, como podem ver.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

André da Loba



André da Loba nasceu em 1979, da união de uma mamã e de um centauro. Numa família de nove irmãos,  ele era o mais feio de todos. O seu nariz era enorme e ainda o é. Por causa disso os  pais mandaram-no partir com o circo do mar. Deu a volta ao mundo duas vezes e meia. Isto, quem o diz, é o próprio André da Loba e podem ler o resto das suas memórias aqui.



Artista plástico dotado de inúmeros talentos, é uma referência nacional e internacional no âmbito da ilustração, tendo como característica principal o minimalismo aliado ao contraste de cor. Traça formas geométricas e contornos simples como ninguém. Em contraponto, ofusca-nos com esculturas perfeitas produzidas em cartão ou qualquer material de desperdício. É incrível a forma como  transfere emoções a um simples boneco de papelão.



Dentro da sua obra, encontram-se ilustrações para publicações como o New York Times ou o Washington Post e também trabalhos de animação. Os Hipopómatos adoram-no pelos belíssimos livros que ilustrou.




Não podemos ficar indiferentes a uma nova linguagem, inovadora em Portugal, quando se trata de ilustrar uma antologia poética como a de Bocage, editada pela Kalandraka ou, de forma ainda mais arrojada, O Arenque Fumado, editado pela Bruaá, ambos em 2010.


Premiado por variadíssimas vezes, André da Loba foi escolhido, em 2012, para integrar a Ilustrarte e  representar Portugal na Feira do Livro de Bolonha.
Apesar da enorme admiração que nutrimos pelo artista e da forma como passamos horas a contemplar o seu trabalho, não vamos prolongar-nos em descrições. O melhor será vê-lo em acção. Vão apaixonar-se também, não temos dúvida!



segunda-feira, 21 de maio de 2012

Il Volo di Sara




Era uma final de tarde de Novembro. Eu estava empoleirado num ramo de uma árvore despida. Olhei em redor: eram só barracas cinzentas agrupadas num recinto vedado com arame farpado. Homens esqueléticos deambulavam pela lama e pela sujidade. No ar havia um cheiro acre e nauseabundo que nem o vento gelado conseguia dissolver.

Senti o assobio de um comboio a chegar. Era um comboio de transporte de gado e tinha muitos vagões, todos fechados a ferros. Os soldados inspeccionavam de um vagão ao outro, acompanhados de cães enraivecidos.


As portas abriram-se com grande aparato. Dos vagões saíram mulheres, crianças e idosos que foram agrupados em filas. Via-se o terror nos seus rostos.


Foi aí que a vi.

Narrada pela voz de um pintarroxo, Il volo di Sara é uma história comovente. Sara é uma criança que, à chegada do campo de concentração, se apercebe do pintarroxo e chama a atenção da mãe para que o veja. A mãe nem lhe responde, tal é o puxão de força que sente no seu braço ao ser-lhe arrancada a filha pela mão de um soldado.


É aqui que começa a desenrolar-se a importante acção do pássaro, que decide assumir o papel de pai e mãe de Sara. Segue-a para todo o lado. Canta-lhe ao ouvido e acalma-a nas noites frias e escuras.



Durante o dia, o pintarroxo recolhe com o seu pequeno bico tudo o que consegue para levar a Sara: migalhas de pão, restos de batatas, legumes secos ou umas folhas de couve. Mas Sara emagrece e empalidece como um passarinho assustado.

Uma manhã, Sara segue numa fila de crianças, ladeada de cães, e sorri debilmente ao seu passarinho. Eleva os seus braços ondulantes como se quisesse levantar voo. E o pintarroxo, como qualquer mãe que cumpre o seu desígnio, empresta as suas asas a Sara para que voe para longe daquele lugar.


A liberdade, personificada pela figura do pintarroxo, é o objecto de desejo constante ao longo da narrativa. É o único indício de esperança. A ilustração marcadamente sombria é amenizada pela cor quente do pássaro. Proporciona ao leitor pequenos momentos de alívio por cada murro no estômago que página a página vai sentindo.
Editado pela Fatatrac (Itália), com texto de Lorenza Farina e ilustrações de Sonia M. L. Possentini, Il Volo di Sara é, indubitavelmente, uma obra de arte para integrar a memorabilia do Holocausto, sendo um dos mais belos livros de homenagem às suas vítimas.

(As traduções dos excertos  são da autoria dos Hipopómatos.)

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Princípio


Há temas que as pessoas "grandes" consideram de difícil abordagem junto dos mais pequenos. Estranhamente, a temática da guerra  parece ser, nos nossos dias, uma realidade precocemente assimilada. Cedo as nossas crianças sabem da sua existência, sem que na maioria das vezes nos demos conta da forma ou momento de aquisição de tal conhecimento.   O que parece dever-se ao facto de a considerarmos uma realidade, sim, mas bem distante de nós. E talvez por isso, grandes e pequenos, nos mostremos sempre tão disponíveis para iniciar guerras "disto e daquilo".


A vontade súbita de chegar perto, de tentar caminhar aqui e ali por entre os escombros, é a primeira de muitas sensações que experimentamos ao abrir O Principio, livro escrito por Paula Carballeira, ilustrado por Sonja Danowski e recentemente editado pela Kalandraka.


Uma vez lá dentro, contemos, a espaços, a respiração e embrulhamo-nos no nosso próprio silêncio. Este é um livro que nos fala não só da catástrofe e da tristeza do dia seguinte, mas também da inexaurível força que o homem encontra para reconstruir a esperança. 



Narrada pela voz de uma criança, esta é a história de uma família que se reergue com aquilo que lhe sobra, o amor e a certeza de estarem vivos. A mesma certeza do sorriso ou  gargalhada de uma ou várias crianças ou da insignificância dos bens materiais. 

Ficámos sem casa, mas a mãe disse que não importa porque temos um carro... 
Ficar sem roupa também não importa. O pai disse, melhor, menos para lavar.




O realismo perfeccionista das ilustrações de Sonja Danowski impele-nos permanentemente a  partilhar o tudo e o nada desta família e a querer ser parte do recomeço. Só quem não conheça o trabalho desta alemã, presença habitual na Ilustrarte,  se surpreenderá.


O Princípio começa agora. Com as crianças juntas em torno da inocência e das brincadeiras de sempre. 


Kvèta Pacovská diz que o livro ilustrado é a primeira galeria de arte que a criança visita. Há dias em que não temos dúvidas. Hoje é um deles.