sábado, 26 de fevereiro de 2022

Uma Pedra Cai do Céu

 






















Uma Pedra Cai do Céu | Jon Klassen | Orfeu Negro

Num cenário minimalista, onde todos os silêncios se fazem ouvir,  três personagens parecem oferecer-se como objeto de estudo para um qualquer tratado de relações sociais. Dividida em cinco capítulos, a história reveste-se de um humor desconcertante, capaz de nos fazer pensar em Klassen como um discípulo nato de Edward Gorey





















Este foi o livro que se seguiu à trilogia dos chapéus, o que é facilmente detectado pelo leitor. As personagens são-nos familiares. Cruzámo-nos com elas em Onde está o Meu Chapéu?, o último livro de que falámos. De forma semelhante, as falas das personagens distinguem-se pela cor diferenciada. A paleta de cores confirma que entrámos no universo do autor. Os chapéus (Este Chapéu não é Meu), com mais ou menos variação, permanecem na história, mas sem o protagonismo que já conheceram. Aqui, o importante é a pedra. 














Quando abre o livro, o leitor já sabe que uma pedra vai cair do céu. O título deixou-o alerta. Não sabe quando nem como. Não conhece as consequências. Mas, a espaços, vê a pedra e a queda é iminente. O suspense e a expectativa habitam-no quando entra naquele cenário desértico . De um lado, apenas uma pequena flor. Do outro, uma pequena planta. Aguardam-no uma tartaruga e um tatu, ambos com chapéus de coco, numa clara e assumida evocação de Samuel Beckett e do seu À Espera de Godot.
























Uma tartaruga orgulhosa e obstinada faz a apologia do seu sítio preferido. Precisamente, aquele onde se encontra. O melhor de todos! O tatu não sente o mesmo por aquele lugar, tendo mesmo um mau pressentimento. Decide-se pela página do lado. Simpático, lança o convite à sua interlocutora. Mas, ela é demasiado teimosa e inflexível para isso. Curiosamente, é o ciúme que a salva. É quando a serpente, a terceira personagem, se junta ao tatu, que a tartaruga enciumada, se decide a atravessar a página. Concluída a travessia, os três observam a queda da pedra, ou melhor, da rocha, bem em cima do lugar preferido da tartaruga. Ao leitor, o estrondo parece audível.
























Uma hilariante estranheza atravessa todos os capítulos. Ao perigo da queda da pedra, junta-se o do aparecimento de um alien num futuro imaginado pelo tatu no único capítulo que foge ao vazio do cenário. O vai-vem entre páginas é uma constante. O espaço ou a falta dele assume uma importância crescente. Os diálogos são um desfiar de conversa fiada que transmitem ao leitor a forma de ser de cada uma daquelas criaturas. De um lado, um tatu paciente, conhecedor e prestável. No outro, uma tartaruga com um ego gigante, mentirosa q.b., que nunca tem dúvidas, que nunca precisa de ajuda, que nunca está cansada... Pelo meio, há ainda uma serpente low profile, que parece decidir-se sempre pelo lado certo.












Tudo, debaixo de um incrível céu, onde um deslumbrante pôr do sol nos faz querer permanecer. Vão, mas não deixem de reflectir sobre o lado que escolhem. É que do céu não cai só uma pedra. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Quero o Meu Chapéu. Um regresso há muito esperado




Quero o Meu Chapéu | Jon Klassen | Orfeu Negro

Chapéus há muitos, nós sabemos, mas este é especial! Diferente, vermelho e pontiagudo... Quero o Meu Chapéu é um livro hilariante, finamente construído e inteligentemente desconcertante. Integra a espécie, tão nossa conhecida, "outra vez"... 
Foi assim que, em 2014, escrevemos aqui sobre este livro e festejámos a chegada de Klassen a Portugal. Oito anos volvidos, saudamos a reedição, há muito esperada, da história deste urso de aparência bonacheirona e doce que, tendo perdido o seu chapéu, decide perguntar a cada um dos animais que vai encontrando, se o viram. Independentemente da resposta obtida, revela-se um urso polido e educado, a todos agradecendo... Será? 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Os Tesouros do Leopoldo





Os Tesouros do Leopoldo | Deborah Marcero | Fábula

Leopoldo é um colecionador. Passeia-se com os seus frascos, recolhendo pequenas coisas que vai encontrando aqui e ali. Malmequeres, folhas ou pedras em forma de coração... Coisas que nos podem parecer comuns, mas que para o pequeno e simpático coelho representam tesouros que perpetuam a memória das coisas  e dos momentos maravilhosas que preenchem os seus dias.







































Como todos os colecionadores é um excelente observador. E, quando o pôr do sol pintou o céu da cor do doce de cereja, não hesitou um segundo em ir até à praia, levando consigo todos os frascos que conseguia. Foi lá que conheceu a Clementina e, em jeito de celebração de uma nova amizade, ofereceu-lhe um dos muitos frascos que tinha enchido com a luz cor de cereja. O frasco brilhou a noite toda e a memória do magnífico pôr do sol encheu o quarto e o coração da pequena. 





















Os dois amigos passaram a colecionar juntos. Agora, coisas diferentes. Coisas difíceis de agarrar, como o arco-íris, o canto dos pássaros, os campos de tulipas, as lutas de bolas de neve, as suas sombras que se estendiam pelos dias compridos de verão... Coisas que não pareciam caber dentro dos frascos. Mas que, de alguma forma, cabiam. 







































Os dias assim partilhados são, repentinamente, assombrados pela notícia da partida de Clementina. A família ia mudar-se para outra cidade. A tristeza da separação dos dois amigos deixa o coração de Leopoldo como um frasco vazio. Até que, numa noite de estrelas cadentes, decide voltar a encher os seus frascos. Porque os amigos não se esquecem, o de Clementina segue por encomenda e Leopoldo recebeu outra na volta do correio. Os dois percebem que, ainda que distantes, podem continuar a partilhar as pequenas grandes coisas da vida e a amizade.




































Marcero constrói uma deliciosa narrativa sobre a amizade, onde a simplicidade dos desenhos se contrapõe à riqueza da paleta de cores e a uma encantadora proliferação de detalhes. Segundo a autora, uma espécie de “comic technique”, onde, com grande mestria, ela faz  coexistir ilustrações que se alongam por páginas inteiras e outras que se seccionam numa espécie de vinhetas que nos fazem querer tocar os frascos um a um. 
Uma história com um delicioso final, a provar que a vida é mais bonita quando partilhada e que os amigos... são mesmo para colecionar. 



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Quando eu for grande






 
Quando eu for grande | Ella Bailey | Orfeu Negro

Numa floresta pintada com cores que fazem as delícias dos mais pequenos, um pequeno ovo de dinossauro  chama a atenção do leitor, que assiste ao nascimento  de um dinossauro ainda mais pequeno. Com um nome igual à  cor da sua pele, Rosa observa as árvores imponentes à sua volta e tudo o que a rodeia.  Rapidamente, se dá conta de como é pequena já que a única planta do seu tamanho é uma folha de feto. Mas, a pequena sabe que vai crescer e imagina como será quando for grande. Inicia o seu caminho  em busca de si e do seu lugar no mundo enquanto o pequeno leitor vai assistindo a um desfile de diferentes tipos de dinossauros.


Por uma razão ou por outra, não se identifica com nenhum dos dinossauros com que se cruza ao longo das páginas do livro. Todos têm características únicas, o que faz com que também queria descobrir as suas. Rosa pode ser pequena mas os seus sonhos são grandes. Pode não conhecer bem o mundo a que chegou, mas vai descobrindo o que não quer para si. Ainda assim, por momentos duvida se descobrirá que tipo de dinossauro virá a ser. A tristeza invade-a e começa a perder a esperança de saber o que fará dela única. 

Mas a tristeza e as dúvidas desaparecem quando, por acaso, Rosa volta ao lugar onde tudo tinha começado. O reencontro com as raízes fá-la entender o quanto já cresceu. A já não tão pequena Rosa percebe, afinal, que não temos de ser iguais aos outros. Para nos descobrimos a nós mesmos, apenas temos de saber esperar enquanto construimos o nosso próprio caminho. Será isso que fará dela um dinossauro único e especial. 

Bailey, autora de variados livros onde os protagonistas são animais, oferece-nos uma história cheia de subtileza sobre a descoberta de nós próprios e do nosso lugar no mundo. Sobre a determinação e coragem que torna cada um num ser único e especial. 
Um livro que encantará pequenos e grandes  leitores e que fará as delícias dos fãs de dinossauros, que encontrarão nas guardas finais a identificação de todos aqueles com que o nosso pequeno grande Dinossauro Rex se cruzou na sua caminhada pela grande e velha floresta.