sexta-feira, 20 de julho de 2018

Clementine. Uma Boleia para Férias.


A chegada de um livro de Roberto Innocenti em véspera de férias significa, necessariamente,  arranjar um espaço extra na mala. Clementine, recentemente publicado pela Kalandraka,  é o nome de um grande navio com uma história de vida indissociável da do seu comandante. 


A história pode ser fictícia, mas o realismo das ilustrações de Innocenti, a riqueza dos detalhes, a multiplicidade das pequenas coisas com que sempre nos brinda os sentidos a cada livro fazem-nos percorrer cada porto, a bordo do Clementine, ao longo de meio século de história.


A história é contada pelo comandante e o seu início coincide com o final do velho navio. Debaixo de uma violenta tempestade, assistimos ao naufrágio da embarcação, adivinhando-lhe um passado grandioso. Clementine pode estar, agora, no fundo do mar, onde provavelmente deveriam pertencer todos os navios, mas as memórias dos anos navegados estão a salvo. É a sua evocação, página a página, que nos permite conhecer a sua identidade e a do homem que o habitou e comandou ao longo de 5o anos. 


A este, o mar navegava-lhe os sonhos desde sempre. Ainda rapaz, já trocava confidências, com quem viria a partilhar muito mais, sobre o dia em que se tornaria comandante. Assistiu de perto à construção do seu futuro navio, Clementine, e lembra-se bem do primeiro dia. Ao amanhecer, partiram de São Francisco. 


Do Pacífico aos confins do continente africano, passando pelas costas árticas e asiáticas, foram muitos os portos que conheceram. Mais ou menos longínquas, as rotas percorridas abarcavam todos os cantos do mundo. Cartagena, Havana, Valência, Lisboa... Juntos, conheceram lugares e culturas diferentes, assistiram a revoluções, testemunharam submissões, fizeram amigos e encontraram adversários. 


Viveram tempos calmos e tempos conturbados. Clementine era um navio de carga. Os porões eram frequentemente cheios com fruta fresca, especiarias e outras mercadorias das mais diversas paragens. Mas, quando rebentou a II Guerra Mundial, a Marinha dos Estados Unidos chamou-o para combater. Tanto na guerra com na paz, Clementine tomou conta de todos. Como fez, no momento em que se separaram, esperando que todos estivessem a   salvo para se encaminhar para as profundezas do mar. 
Hoje, as memórias do Comandante Sean são contadas em terra. Na companhia de quem também contou os dias longos e as noites intermináveis, esperando pacientemente pelo comandante, a sua família.  


Fiel ao seu estilo, o ilustrador que, muitas vezes, se vê a si próprio como um diretor de cinema, preocupado com cada detalhe, volta às claras as influências do cinema e da banda desenhada. As sequências, os grandes planos, as vinhetas de formatos e tamanhos diversos, o jogo de luz... Tudo nos faz navegar os mares a bordo do Clementine, pôr o pé em terra a cada paragem, identificando bandeiras, decifrando siglas, perpetuando cada referência histórica.


A Casa, As Aventuras de Pinóquio, Uma Canção de Natal,  A História de Erika e A Menina de Vermelho são alguns dos livros do autor publicados, entre nós, pela Kalandraka. 
Há uns anos, numa entrevista à Revista Emília, que podem ler aqui, o autor que, em 2008, recebeu o prestigiado prémio Hans Christian Andersen pelo seu contributo para a Literatura Infantil, afirmou: Não me tornei pintor porque necessito da literatura que eu posso escrever ou interpretar a que outros escreveram. A intenção do álbum é ser um livro, um livro que tenha seu espaço. Fazê-lo é um processo criativo que me completa e que quando finalizo, me reconforta. É um trabalho solitário, em que se exercita muito a paciência, é uma aventura, um filme com final feliz. Ilustrar é contar histórias ao leitor.
Nós agradecemos e não perdemos uma.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

O Lobo, O Pato & O Rato. Regresso ao Quadrado.


Mac Barnett e Jon Klassen estão de volta. Pela mão da Orfeu Negro,  a dupla de Uma Aventura Debaixo da Terra e de Triângulo regressa, agora, ao Quadrado


Geometricamente falando, este é o segundo livro. Do primeiro, Triângulo, falámos aqui. Na altura, a propósito de Klassen, relembrámos o que tínhamos escrito em 2013:  Enquanto ilustrador, Klassen é portador de um estilo inconfundível. Minimalistas, as suas ilustrações parecem conter apenas o essencial para nos encantar e deixar incondicionalmente à espera do próximo livro. A utilização de uma paleta de cores, onde predominam, em regra, os tons terra, sépia e negro é outra das suas características. Mas é, sobretudo, o humor desconcertante que quase sempre expressa nas suas ilustrações, que encanta pequenos e grandes leitores. 
Hoje, voltamos a dizer que os mais pequenos têm razões para sorrir.


O Quadrado é já nosso conhecido. As crianças não terão esquecido o susto causado pelas  partidas que o brincalhão do Triângulo lhe pregou. Desta feita, temos oportunidade de o conhecer um pouco melhor e ficamos a saber que ocupa o tempo na sua gruta secreta, tirando blocos de pedra que  empurra até ao topo da colina. Depois, empilha-os, obtendo verdadeiras obras de arte. Um trabalho maravilhoso que não passa despercebido à sua amiga Círculo.


O Quadrado não sabe sequer o que é um escultor, mas a sua amiga acha que é isso que ele é. Mais,  conhece-lhe as aptidões e considera-o nada mais nada menos que um génio. Por isso, encomenda-lhe um trabalho específico.  Mais uma vez, o Quadrado está em apuros. De natureza diferente, é certo. A  verdade é que não se sente capaz de executar o trabalho que a amiga Círculo lhe pede, duvidando de si mesmo e vendo a perfeição, que sempre almeja, longe do seu horizonte.


Sem querer antecipar o resultado final, sempre diremos: espectacular! Sim, concordamos com a Círculo. Este Quadrado é um génio. Vão de férias? Levem-no que ele pode ser uma ajuda preciosa! Os miúdos agradecem.

O Lobo, O Pato & O Rato. 
 Uma história pronta a ser devorada, mesmo em férias



Um dia, pela manhã, um rato encontrou um lobo e foi logo engolido. 

Mau, mau! Isto mais parece o final do que o começo da história. Bom, depois de séculos de histórias, se há algo que já aprendemos é que quando metem lobos são sempre imprevisíveis. Esta não foge à regra. Neste caso,  até a pequena criatura foi surpreendida depois de já ter previsto o próprio fim. Por isso, se estão à espera de fazer o percurso pelas tripas da fera, esqueçam lá isso.
Para seu (e nosso) enorme espanto, o que o rato encontra é uma barriga esmeradamente limpa, organizada a rigor e com uma decoração invejável. O responsável? Um pato bon vivant, amante de alta cozinha, de bom vinho e de música. Antes que perguntem: sim, é morador! 


Ainda mal refeito do espanto e já apaparicado com um belo pequeno almoço de boas vindas, o rato não aguentou de tanta curiosidade.  Cama, mesa, toalha, compota???
- Nem imaginas as coisas que se encontram na barriga de um lobo.
Nem ele, nem nós, leitores.


Klassen é igual a si próprio, com o estilo a que já nos habitou. Minimalista, com uma paleta de cores que já nos é familiar e sobretudo com esses olhos que possuem todas as suas personagens...
Os detalhes são maravilhosamente hilariantes. Placa de fogão topo de gama, um fantástico conjunto de facas, lps, aparelhagem... O rato estava rendido.
Claro que nem tudo é perfeito.  Ter uma ou duas janelas dava jeito. Mas depois de o pato esclarecer que tinha sido engolido mas não pretendia ser comido,  estava mais do que decidido.


O argumento final, esse foi de peso. Esta vida era muito melhor e mais despreocupada do que  a que tinha lá em cima, sempre com medo de ser engolido por um lobo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. O rato decidiu ficar e festejaram a preceito. 


A música e a dança provocaram um tal tumulto que o pobre lobo  quase morria de dores de estômago. O pato não se fez rogado, tinha a cura para as dores da fera, um remédio antigo indicado para acalmar as dores: um pedaço de bom queijo. E um jarro de vinho! E umas velas de cera de abelha. O jantar foi um luxo e o brinde, claro, foi à saúde do lobo!


O único senão foi que o remédio não surtiu qualquer efeito... e os gemidos do lobo acabaram por captar a atenção de um caçador que passava por perto. Mau, mau! Até o pato previu o fim. 
Mas o rato manteve o firme propósito de defender a casa. Afinal de contas, não seria justo, ainda agora comemorava a decisão de ali morar... A coragem, a determinação e a solidariedade foram grandes e o caçador acabou por fugir a sete pés.


Nesta fábula bem moderna, com um final de fazer inveja a Esopo, tudo acaba bem! Mais do que bem... Ao que parece, a dança passou a ser uma constante da vida naquela casa e o senhorio ainda hoje continua a uivar para a lua! Não deixem de dar um pulo até lá!

sábado, 7 de julho de 2018

Canções do Ar e das Coisas Altas



Somos méssederianos convictos. Prosa ou poesia, a escrita de João Pedro Mésseder tem o dom de nos enfeitiçar, levando-nos a sugar cada palavra. Mestre em manusear as  palavras, o autor parece brincar com elas a tempo inteiro. Joga-as. Num jogo que conhece bem, mas onde o resultado nunca deixa de surpreender o leitor. 


Magia e mestria passeiam-se de mãos dadas pela sua  escrita. Uma escrita sem idade, ponto de encontro de pequenos e grandes leitores. Talvez porque nela entrem coisas de todos os dias. Talvez porque nela se retrate, com chama, a vida. Recriada com tamanha perícia que quase parece inventada por ele.


É uma escrita intensa, plena de sentidos,  de trocas... O amor sentido pelas palavras, por cada palavra, envolve o leitor numa espécie de cúmplice coabitação com o escritor. As metáforas povoam-lhe o universo, mas apresentam-se delicadas, como maçãs vermelhas em ramos de poemas.



Nos Hipopómatos, há um enorme e sempre crescente clube de leitores de Mésseder. De todas as idades. Os mais pequenos tratam-no por tu, como se fosse da família. Pulam de alegria quando vêem um novo livro nas estantes da casa. Os adultos abrem-no. Mais do que uma vez. Às vezes, emocionam-se. Não raro, perguntam: "Vocês leram isto? É muito bom!"



Serão só palavras?

   Subo à palavra torre
       e desço à palavra cave,
   a seguir levanto voo, 
      e plano na palavra ave.


Canções do Ar e das Coisas Altas é o quinto livro (de todos já falámos por aqui) de uma série em parceria com a ilustradora Rachel Caiano, publicada pela Caminho. O traço de Caiano, as suas figuras únicas, os rostos de meninos que são só dela confraternizam com as palavras do escritor com idêntica e genuína delicadeza. Parceria de sucesso, escritor e ilustradora parecem combinar-se para nos encantar sempre um pouco mais a cada novo livro. 


Nuvens, pardais, vento, sol, luas, ladrões de nuvens, duendes, fadas... e essa homenagem a Vinicius de Moraes! É tanto o que nos encanta, a nós, Hipopómatos na Lua, nestas Canções do Ar e das Coisas Altas! Experimentem. Não encontramos melhor razão para vos ver de cabeça no ar.