quinta-feira, 16 de março de 2023

O Pequeno Robot de Madeira e a Princesa de Lenha







O Pequeno Robot de Madeira e a Princesa de Lenha | Tom Gauld | Fábula

"Era uma vez" e "todos viveram felizes para sempre", assim começa e termina esta história povoada por reis, fadas, bruxas, príncipes e princesas. Pelo meio, há um sem número de aventuras que evidenciam o carácter e a coragem das personagens. E, acima de tudo, os laços profundos de amor que os unem.
















Os ingredientes transportam-nos de imediato para o universo dos contos clássicos, mas um olhar mais atento diz-nos que esta é uma história do nosso tempo. Uma rainha negra e um rei branco é o primeiro sinal que o autor dá ao leitor de que a história é bem actual. Gauld delicia-nos não só com a originalidade do conto, mas também com a travessia que faz por alguns dos clássicos que preenchem o nosso imaginário. 
















Tudo se passa num reino encantador, onde o rei e a rainha só não são totalmente felizes porque não têm filhos. Certa noite, o rei foi falar com a inventora real e a rainha encontrou-se com a velha e sábia bruxa que vivia na floresta. Quando chegou a altura dos desejos, ambos pediram o mesmo, um filho. As mulheres não se fizeram rogadas e, usando de toda a mestria, lançaram mãos à obra. A primeira construiu um maravilhoso robot de madeira e a segunda usou toda a sua magia para dar vida a um toro de lenha e transformá-lo numa princesa perfeita. O amor entre pais e filhos nasceu de imediato. Os irmãos brincavam juntos os dias inteiros e eram felizes.


O príncipe era corajoso e gentil. A princesa era corajosa e inteligente, mas tinha um pequeno segredo. Sempre que adormecia voltava a ser apenas um tronco de madeira, tornando-se necessário que alguém a despertasse com as palavras mágicas : acorda, pedacinho de lenha, acorda. Afinal de contas era fruto da magia de uma bruxa.













O despertar da princesa era algo de que o gentil robot se encarregava todos os dias. Numa certa manhã em que o reino recebia a visita de um circo, o entusiasmo falou mais alto e o pequeno príncipe não se lembrou de acordar a irmã. Quando a criada entrou no quarto para o arrumar, deparou-se com um simples tronco de madeira na cama da princesa. Horrorizada, atirou-o pela janela. Por essa altura, já o robot, afogado em remorsos pelo seu esquecimento, voltava ao quarto da irmã. Tarde demais! Ainda avistou o tronco rolando pela íngreme colina do castelo, mas nada pôde fazer para impedir que ele fosse parar ao barco que rumava até ao Norte gelado.










São muitas as aventuras e os perigos que os dois irmãos vão viver. Sim, o Pinóquio também os experienciou, mas imagine-se o que teria sido se ele tivesse uma irmã!  Enquanto o robot de madeira e a princesa de lenha faziam por merecer o seu lugar na história da literatura infantil, os reis viviam momentos de grande angústia e tristeza, tentando tudo para ter os filhos de volta. O amor e a perseverança são recompensados. Já antecipámos que, no final, tudo acaba bem. Ou não existisse na história uma velha e sábia bruxa.
















Gauld, para além de ilustrador, é um conceituado cartoonista e faz aqui uso das suas técnicas. As ilustrações são fabulosas e os leitores apaixonam-se facilmente pelas personagens e pelos lugares. Segredos, magia, perigos, coragem, bondade, determinação e um final feliz. Há de tudo neste delicioso e incrível conto que, ainda que moderno, tem tudo para se tornar um clássico. 


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Verme

 






















Verme | Federico Fernández e Germán González | Kalandraka


Da mesma dupla de autores de Balea, chega um novo livro em formato de acordeão. Desta feita, a baleia mecânica cede lugar a um verme mecânico, capaz de escavar a terra e de proceder a diversas operações de limpeza e tratamento. Os tons verdes do verme contrastam com as cores quentes da terra. Os mergulhadores de fato amarelo que trabalhavam na baleia são agora os operários que zelam pelo funcionamento desta incrível "geringonça" que parece ser a melhor forma de viajar pelas profundezas da terra.


















À semelhança do submarino mecânico,  este gigantesco dispositivo também dispõe de todo um complexo habitacional para os que ali trabalham. O  livro desdobra-se em inúmeros compartimentos, todos eles representando um verdadeiro desafio à imaginação dos leitores. São quase cem janelas que nos permitem espreitar a vida lá dentro e conhecer os hábitos de quem  ali vive e trabalha. Os mais pequenos tentam adivinhar aquele dia a dia, desde a cozinha aos dormitórios, passando pelas conversas da piscina ou pela casa da maquinaria. São muitas as histórias que conseguem criar olhando para esta espécie de máquina robótica, tanto do seu agrado.










Trata-se de uma narrativa estritamente visual, onde a ausência de palavras se transforma num  desafio acrescido  à capacidade criativa dos leitores.  Enquanto vão desdobrando o livro-acordeão de dupla face, vão contando um sem número de histórias. As que vêem e outras tantas que inventam. Tudo, com muito humor à mistura. Um livro interactivo? Um jogo? Ambas as coisas e um excelente exercício de observação bem ao jeito de Onde está Wally?.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O que é isto?


 





















O que é isto? | Ana Pessoa e Yara Kono | Planeta Tangerina


É um livro por onde se passeiam umas linhas que têm tanto de irrequietas como de brincalhonas. Ora se alongam, ora se estreitam, exibindo-se num frenesim de formas que podem ser... tantas coisas! O que é isto? É uma raiz! É um nariz! Ou um trovão. Ou um tubarão.















São linhas pretas que se espraiam por páginas brancas numa desafiante brincadeira que levará os leitores  a descobrir tudo o que a imaginação lhes permitir. O que no inicio nos parecia uns simples rabiscos vai-se transformando, adquirindo formas, aparentando figuras. Mais ou menos ocultas. Por vezes, labirínticas. Uma espécie de jogo de observação onde todos verão coisas diferentes. É um coelho! É um espelho? É um avião? Também não.














As linhas de Kono têm por companhia as palavras rimadas de Pessoa. Em jeito de música para os ouvidos mais pequenos, também elas são muito mais do que isso. Do "abstrato" ao "concreto", nada disto é "pera doce", podendo revelar-se "um não assunto" ou uma "força de expressão". Num cenário a preto e branco, há por aqui todo um espectáculo de ilusionismo e magia a que a pequenada vai querer assistir. E participar! O que é isto? É um livro? É um espectáculo? É um jogo? 

É o que é. É o que se quer. É como tudo.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

AaaHHH!


AaaHHH!| Guilherme Karsten | Fábula


AaaHHH! O estrondo foi gigante! Ouviu-se no mundo todo. Tão violento que algumas pessoas ficaram surdas e outras até a gaguejar. O caos e a confusão instalaram-se. As fábricas, as lojas e até as escolas fecharam. Era necessário saber de onde teria vindo tamanho barulho. A multidão lança-se na descoberta do mistério e os leitores também. 























Os cientistas foram os primeiros a entrar em cena, mas a  única conclusão a que chegaram é que o facto que originara tudo isto tinha ocorrido num qualquer lugar da Terra. Se o leitor se debatia com as semelhanças entre  esta história e o inesquecível O Homem da Lua de Tomi Ungerer, desengane-se. Não, o rumo dos acontecimentos não indicia que se trate  de algum acontecimento extraordinário envolvendo seres de outros planetas ou satélites. A curiosidade adensa-se. Os leitores acompanham a multidão que se espalha pelas páginas do livro na ânsia de saber o que despoletou a estrondosa história.




Pelo caminho há muito para conhecer. Pessoas, animais, edifícios... Karsten mistura as colagens a preto e branco de pessoas com as cores vibrantes com que pinta os lugares, obtendo várias narrativas em simultâneo. O leitor anda por aqui num frenesim. Por um lado, desejoso de desvendar tamanho mistério. Por outro, demorando-se a cada dupla página numa tentativa de não deixar escapar nada da parafernália de subtilezas com que o autor povoa esta história atemporal. 














O humor é o fio condutor em toda a trama e o final não desilude. Afinal, muitos de nós já passámos por este tipo de "cataclismo", interrogando-nos em que momento uma multidão ou as forças da ordem nos bateriam à porta! 
















Depois de Boleia, este é o segundo livro do autor a chegar até nós. Ambos premiados. Com uma boa dose de subtileza e de criatividade, os livros de Karsten destilam humor, divertindo leitores de todas as idades. E estes agradecem. Bem precisamos de histórias com bons motivos para rir e gargalhar. Livros a que gostamos de chamar "porque sim". Venha o próximo!