segunda-feira, 16 de março de 2015

Este Chapéu não é Meu

 Chapéus há muitos, mas os de Jon Klassen são únicos. 



Ainda os leitores se deliciavam com o genial I Want My Hat Back (em português, Quero O Meu Chapéu) e já o autor lançava This Is Not My Hat, livro vencedor da Caldecott Medal 2013 e da Kate Greenaway Medal 2014. Pela mão da mesma editora, a Orfeu Negro, o premiado  Este Chapéu Não É Meu já anda pelas nossas livrarias.


Entre outras coisas, os dois livros têm em comum não só um final invulgar, com uma boa dose de humor negro, como também um pequeno ladrão de chapéus e um legítimo dono de proporções que impõem respeito.


Em Quero O Meu Chapéu, de que falámos aqui, o protagonista é um urso bonacheirão que, de forma educada, vai perguntando a todos os animais com que se cruza, se viram o seu chapéu. O livro reserva-nos um final surpreendente, quando, sem qualquer rodeio, o simpático urso acaba por comer o pequeno coelho que se tinha apoderado do seu chapéu.


No livro que agora nos chega, há uma inversão de protagonismo. O pequeno ladrão que aqui vemos é o próprio narrador da história. E o factor surpresa surge  bem no início, quando o leitor é confrontado com a sua confissão: Este chapéu não é meu. Acabei de o roubar.


Apesar do crime cometido, a sinceridade da pequena criatura desencadeia no leitor um fenómeno de empatia que cresce página a página, na mesma proporção da ingenuidade que o narrador vai revelando.   


Brilhantemente construído, o livro conta-nos em simultâneo, duas histórias opostas, a das palavras e a das imagens. Enquanto o pequeno e confiante peixe fala do  roubo, das circunstâncias em que o cometeu, do mais que provável desconhecimento do dono do chapéu e do seu plano de fuga,  as imagens vão revelando uma realidade bem diferente.



A contradição entre as duas histórias é uma evidência. As imagens mostram ao leitor o oposto dos pensamentos que o pequeno peixe lhe vai confidenciando. Por exemplo,  enquanto ele nos conta que roubou o chapéu quando o peixe grande estava a dormir e que ele talvez não acorde tão cedo, vemos o peixe grande de olhos bem abertos... Quando ele invoca a esperança de que mesmo que o outro acorde, talvez não dê pela falta do chapéu, o olhar do peixe grande é bem elucidativo de que já deu pela falta dele... 



Klassen volta a um jogo minimalista de que tanto parece gostar, colocando no olhar das personagens uma boa parte da resolução do enigma das histórias. A forte convicção de que nunca será apanhado e a segurança dos seus planos de fuga são contrariados, a cada dupla página,  pelos planos dos olhos do peixe grande.



É um jogo hilariante, em que o leitor cedo descobre que sabe algo que escapa ao pequeno peixe. Apetece chamá-lo, avisá-lo... que o crime não compensa! Os leitores mais novos desassossegam-se a cada confissão desmentida pelo que os olhos vêem! É essa originalidade, consubstanciada no facto do leitor saber mais do que o  narrador, que parece desconhecer o seu próprio fim, que torna a história tão genial!



Consciente do seu crime, o pequeno ladrão organiza a fuga para um lugar onde as plantas crescem e ficam grandes e altas, muito juntinhas. Um sítio absolutamente seguro, onde se vê muito mal, o que lhe confere a certeza de nunca ser encontrado. É aí que o leitor o vê pela última vez,  emergindo no seu ultra secreto esconderijo. E mais não dizemos.


Com o estilo minimalista que o caracteriza, Klassen parece ter a virtude de nada deixar de fora. O formato horizontal escolhido para o livro e o aproveitamento da dupla página transmitem, na perfeição, a ideia de movimento inerente à fuga e à perseguição protagonizadas na história. De certa forma, a lembrar-nos Leo Lionni e o seu Nadadorzinho. O fundo preto escolhido pelo autor revela-se em verdadeira consonância com a boa dose de  humor negro de que a história se reveste. 


Com uma estrutura aparentemente simples, Klassen consegue, mais uma vez, uma história capaz de despoletar reacções bem complexas. Um livro inteligente e desafiador. 


Depois da visita dos ladrões de chapéus, resta-nos aguardar que a Orfeu Negro traga o próximo livro. Até apetece dizer: não interessa qual, Mr. Jon Klassen é sempre genial!

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