Matthew Forsythe |
O Natal sem a chegada de um novo livro de Oliver Jeffers nunca seria igual. Há cerca de dois anos, falávamos aqui do fantástico Aqui Estamos Nós, Apontamentos para Viver no Planeta Terra, um livro que o autor dedicava ao filho que acabara de nascer. Em jeito de continuidade, o livro que agora chega é dedicado à filha e constrói-se em torno da relação de ambos. Mas, com Jeffers, as coisas nunca são apenas o que parecem e, logo à chegada, somos confrontados com este pequeno texto: Só somos livres para sonhar e fazer planos (para o futuro) quando não temos de lutar para sobreviver (no presente). Para todos os pais e todas as filhas, nesta esfera, cujas hipóteses são menos promissoras do que as nossas, o nosso objetivo é nivelar o terreno. Com amor, Oliver e Mari
(Em memória do Óscar e da Valeria, que tentaram sem nunca ter conseguido).
O que vão, então, construir pai e filha? Em primeiro lugar, uma história repleta de amor e de afectos, com que brindam os leitores. E que acaba por se revelar um espécie de passaporte para tantas viagens que pais e filhos sonham fazer.
Com um texto rimado, a cada dupla página os nossos protagonistas surpreendem-nos com a diversidade de coisas fantásticas que constroem. Ou sonham construir. Uma porta, uma casa, um túnel para qualquer lugar ou essa fabulosa estrada para a lua!
Um sítio onde chegar sem hora marcada, um abrigo onde guardar o que trazem de viagens passadas e o amor já reservado. Pelo meio, também há perigos e inimigos. Fazem parte da vida. Nada que uma chávena de chá e uma boa dose de desculpas não consigam superar. Mas o que eles mais constroem são os laços e as cumplicidades que, certamente, os vão unir toda a vida.
5. Duas Casas, de Pedro Saraiva e Anabela Dias | Imaginário do Gigante.
A dureza dos dias que vivemos tem virado do avesso as nossas rotinas e as nossas horas. A muitas famílias tem, mesmo, trazido dificuldades acrescidas. Falamos daquelas que partilham os dias dos filhos alternadamente e que, agora, nem sempre conseguem a sintonia desejada para gerir a vida das crianças entre duas casas. A nossa sugestão de hoje transporta um olhar poético de uma criança que vai colocando questões sobre a distância e as vivências das casas onde habitamos. O livro deu origem a uma peça de teatro com o mesmo nome, com marionetas e sombras, levado à cena pelo Imaginar do Gigante. A separação de um casal é o mote para uma história que nos faz sorrir muitas vezes e pensar muitas mais. Dividida em capítulos, sendo o primeiro o das incomunicações, apresenta uma estrutura bilingue com a página da esquerda contando a história em português e a da direita em inglês. Afinal, as casas também falam mais do que uma língua. De forma inteligente e harmoniosa, as ilustrações distendem-se por ambas as páginas, contando a mesma história, mas sem nunca se repetirem integralmente.
E porque no mundo existem muitas casas, a busca nunca será fácil. Há casas que moram de dia e casas que moram de noite. Há as altas, as baixas e as assim-assim. As viradas para nascente e as viradas para poente, as bem arrumadas e as fora do sítio... Casas que moram sozinhas e casas que moram umas com as outras. Casas de graça e casas guardadas nos cofres dos bancos, casas com dono e donos sem casa... São muitos os tipos de casa que o leitor pode encontrar neste capítulo. O das casas constipadas e outras por constipar.
Capítulo novo: o princípio de todos os outros capítulos. É aqui que o leitor fica a saber que há um lugar onde as casas nascem com música lá dentro. Pelas características enunciadas pela menina que nos conta a história, percebemos que estas são as casas que todos gostaríamos de habitar. O que ela mais gosta nas casas são os dias grandes. Porque nas casas dos dias grandes, todos podemos ser quem quisermos. Um castelo, um monstro, ou mesmo um sapo que beija príncipes a toda a hora. As casas onde os adultos não dizem nada às crianças, quase nada...
Entre o capítulo dificuldade: contas difíceis e o capítulo prático: a correr, percebemos que há aviões que mudam as rotas. E que isso pode deixar as nuvens aborrecidas por muito tempo... Sem preconceitos nem concessões, muitas são as questões que a menina vai equacionando. O texto poético e com uma delicada dose de humor entrelaça-se na perfeição nas ilustrações de Dias. Com o seu jeito de menina sonhadora, a ilustradora consegue aqui um registo que transporta para a infância leitores de todas as idades. Um livro que se transforma ele próprio numa casa onde todos queremos morar por algum tempo.
Não deixem de entrar em todas estas casas. Visitem-nas, habitem-nas ou deixem que elas vos habitem. Afinal, como diz esta criança, "o mais importante numa casa é o seu coração". E ela tem dois: a casa da mamã e a casa do papá. Viajar com ela entre casas, ouvir-lhe os pensamentos, adivinhar-lhe os desejos e encantarmo-nos com a força com que aceita a vida, é, nos dias que correm, um delicioso e imenso prazer. Bem vos dizemos que um livro por dia...
Viajamos através do único meio capaz de nos levar a qualquer lado, o LIVRO.
Foi assim que, há 9 anos, iniciámos este blogue. É assim que hoje continuamos a querer dar-vos boleia. Festejamos com vocês, sorteando 3 livros, gentilmente oferecidos pela editora Kalandraka.
1. A Aranha Muito Ocupada, de Eric Carle
2. 29 Histórias Disparatadas, de Ursula Wolfel e Neus Bruguer
3. No Ovo, de Emma Lidia Squillari
Para se habilitarem basta que deixem aqui o vosso comentário (sobre o blogue ou sobre qualquer livro de que tenhamos falado este ano). O único requisito é que sejam seguidores.
A estranheza dos dias que correm não se deve apenas à pandemia. O mundo parece atacado de alguns "vírus" de índole diferente, assentes no ódio, na mentira, na maldade... Cada vez é mais urgente transmitir às nossas crianças os valores que alicerçam um mundo livre, justo e igualitário. Consolidá-los juntos. Quando um livro nos ajuda a fazê-lo, de forma simples e aberta, só podemos aplaudir. É o que acontece com o livro que escolhemos hoje, da autoria de Joana Estrela e editado pelo Planeta Tangerina, um lugar onde um livro nunca é só um livro. Começando por introduzir a questão da identidade, à medida que lhe vamos virando as páginas ele transforma-se numa celebração da diversidade, da liberdade, do respeito por cada um e por todos.
As perguntas são lançadas. Algumas, já as ouvimos até à exaustão. Menino ou menina? Azul ou rosa? Calção ou vestido? Mas depois vêm as outras, as que nos fazem pensar. Precisas de saber se é rapariga ou rapaz? E se não é nem uma coisa nem outra?
Menino ou menina, rapariga ou rapaz, homem ou mulher? As perguntas pedem reflexão. Poderá aquilo que somos ser assim tão redutor? Não seremos todos a soma de muito mais do que isso? A autora acompanha-nos. A espaços, vai deixando a sua opinião. Num registo puro e genuíno, com que os seus leitores rapidamente se identificam.
Composto em 1928, a pedido da bailarina russa Ida Rubinstein, o Bolero tornar-se-ia a obra mais famosa do compositor francês Maurice Ravel. Ao contrário do que poderia pensar-se, por se tratar de uma música repetitiva e exclusiva para orquestra, a fama e a popularidade uniram-se em torno da obra.