quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Capitão Rosalie


Pequeno e delicado no formato, mas grande e intenso no conteúdo. É assim Capitão Rosalie, um livro que fala de morte, de força, de resistência, de coragem, de perseverança, de amor, de amizade, de solidariedade. É uma história em tempos de guerra.
Com texto do premiado autor francês Timothée de Fombelle e ilustrações da não menos premiada canadiana Isabelle Arsenault, o livro foi recentemente trazido para Portugal pela Orfeu Negro.


A história é contada na primeira pessoa. Rosalie, uma menina de cinco anos e meio, transporta-nos para o ano de 1917, em plena Grande Guerra. O pai  partiu para combater e a mãe passou a trabalhar na fábrica. Apesar da idade, a pequena passa o dia na escola dos mais crescidos. Foi um pedido da mãe e o professor, também ele um veterano de guerra, deixou que ali passasse o tempo. Fora de cena quem não é de cena, a Rosalie foi reservado um lugar ao fundo da sala, um caderno para desenhar e a invisibilidade própria de quem não pertence ali. Mas ela não se importou. Porque tem um plano secreto, uma missão para cumprir e ninguém pode desconfiar. Nem mesmo o professor. Só ela sabe que tudo não passa de um disfarce que lhe permite, ao mesmo tempo,  traçar o plano e espiar o inimigo. Capitão Rosalie sonha com o dia em que receberá a medalha. 


Rosalie partilha com os leitores a existência do seu plano secreto, mas em momento algum nos diz em que consiste. Uma história narrada de forma intensa e poderosa, que faz com que o conhecimento do leitor cresça apenas na medida do que a protagonista vai revelando. Em casa, a acção centraliza-se na leitura que a mãe lhe faz das cartas que vão chegando do pai. Ainda que possamos começar a suspeitar que a tristeza vai bater àquela porta, a interrogação acompanha-nos até final. Que missão tem Rosalie? De que forma a vai executar?


Com o plano já em marcha, o leitor é tão surpreendido quanto a multidão que anda à procura da menina. O professor, os colegas mais velhos, a mãe... Todos descobrimos que Rosalie tinha, afinal, como missão aprender a ler. Agora que já sabe, procura a verdade. A menina fica a saber que as leituras que a mãe lhe fazia das cartas do pai não correspondiam ao seu teor, mas apenas a um desejo de a poupar à crueldade da vida no campo de batalha. Rosalie leu, também, a carta que mais procurava. A do envelope azul. Aquela que, quando chegara, arrancara o sorriso dos lábios da mãe e a fazia suspeitar que a vida nunca mais seria igual. Capitão Rosalie recebeu a medalha, mas não aquela que sonhara. Essa, somos nós, leitores, que lha damos. 

Uma história tocante, contada de forma exemplar e ilustrada com mestria, que se transforma num pequeno grande tesouro. Uma viagem que nos faz viver um pedaço de história dentro da história. Bem ao seu jeito, Arsenault faz-nos deambular pelos cenários da época, tanto exteriores como interiores, com refinada delicadeza. 
Com algumas dezenas de livros ilustrados, como Virginia Wolf, Jane, The Fox, And Me, ou You Belong Here, Arsenault faz a sua terceira incursão entre nós num curto espaço de tempo. Mas Porquê? e A Abelha foram as duas anteriores escolhas da Orfeu Negro. Nós, que somos fãs da sua obra, agradecemos e já aguardamos o próximo.

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