Às vezes fechamos um livro mas não saímos dele. Silenciosamente, guardamo-lo entre as mãos, apertamos-lo junto ao peito, como se quiséssemos eternizar dentro de nós tudo o que ele contém. Nesse tempo de silêncio, sentimo-nos privilegiados, gratos por nos termos cruzado com ele.
My Father's Arms Are a Boat é um desses livros. O texto é da autoria de Stein Erik Lunde e as ilustrações são do norueguês Øyvind Torseter, um dos ilustradores que integram este ano a "short list" do Prémio Hans Christian Andersen.
Na intimidade da casa, o rapaz debate-se com a dificuldade em adormecer. Nunca o silêncio fora tão grande. Incapaz de dormir, volta à sala e acaba no colo do pai, em busca de conforto.
Intuímos a razão de tal silêncio e a atmosfera de tristeza logo no inicio. Partilhamos a proximidade entre pai e filho, a cumplicidade do olhar, o calor dos braços que se estreitam e apertam. Chegamos quase a conter a respiração. De alguma forma, sentimo-nos intrusos.
Lá fora, o mesmo silêncio. E o branco da neve. Cá dentro, inicia-se um diálogo sobre pássaros vermelhos e a raposa caçadora. O rapaz exprime as suas dúvidas. Estariam os pássaros a dormir? E a raposa? Captamos-lhe o tom angustiante, ao recear que a raposa possa chegar primeiro ao pão que deixaram para pequeno-almoço dos pássaros.
"Everything will be all right", diz o pai. " The fox doesn't like bread". Apesar do conforto expresso pelas palavras do pai, não parece totalmente confiante. Lembra-se do que a avó diz sobre os pássaros vermelhos. São pessoas que morreram.
Adivinha-se que a pergunta possa chegar e tememos a resposta. Quando pergunta se a mãe está a dormir, o pai responde que sim. À pergunta se ela não volta a acordar, o pai responde que não. É chegada a hora de contemplar as estrelas e formular desejos.
A beleza do texto de Lunde é inquestionável. Porque falamos de perdas, as frases são curtas e intensas. Mas são as ilustrações de Torseter que nos desassossegam. O ilustrador norueguês socorre-se de uma técnica mista, com primazia para as "esculturas de papel". O jogo de perspectivas, com as ilustrações a surgirem-nos a 2D e 3D, resulta num trabalho notável. São elas que nos fazem ouvir o silêncio e vivenciar o pesar.
As perdas são inevitáveis e a vida continuará para além delas. Mas o tema revestir-se-à sempre da complexidade que cada um de nós lhe atribuir. Agora, contemplando o lume, pai e filho partilham o silêncio e o amor. O rapaz continua sem conseguir dormir.
"Everything will be all right," says Daddy.
"Are you sure?"
"I'm sure."