Entre reimpressões e novas edições, são muitas as preciosidades com que a Kalandraka brinda os seus leitores ao longo deste último mês. Elencamos apenas algumas, mas voltaremos a falar de todas.
Luxo! Maurice Sendak chega duas vezes. Estamos Todos na Sarjeta com João e Rui e A Cabra Zlateh e Outras Histórias, sete contos tradicionais judaicos contados por Isaac Bashevis Singer e ilustrados por Sendak, já andam pelas livrarias. Uma fantástica edição dos Contos ao Telefone (70) de Gianni Rodari, magistralmente ilustrada por Pablo Otero. Os mais pequenos são contemplados com mais duas fantásticas histórias de Eric Carle. Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?, o delicioso livro feito em parceria com Bill Martin Jr. e a inesquecível Joaninha Resmungona que volta em versão cartonada. Virginie Aladjidi e Emmanuelle Tchoukriel, os autores dos Inventários Ilustrados, regressam com um deslumbrante compêndio sobre a diversidade do planeta.
De volta está também Jimmy Liao. A chegada de mais um dos seus livros (e que livro!) não nos permite esquecer que até há alguns anos a sua obra era quase desconhecida em Portugal. Ainda hoje, são muitos os que entram pela nossa Casa e se deslumbram, pela primeira vez, com os seus livros. Noite Estrelada e Esconder-se Num Canto do Mundo, os últimos dois livros do autor editados entre nós, contribuíram grandemente para aumentar o número de leitores incondicionais de Liao. Mais ou menos conhecedores, todos têm novamente razões para se deleitar. Ainda que chegue com algum atraso, O Som das Cores é, como os outros, um livro intemporal.
No ano em que o meu Anjo se despediu de mim à entrada do metro, perdia aos poucos a visão.
Assim se apresenta ao leitor a jovem protagonista que, na madrugada do seu décimo quinto aniversário, se determina a empreender uma viagem no metro da grande cidade onde vive. Esse é o inicio do livro, mas também o de uma grande viagem onde imaginação e realidade parecem fundir-se em todos os caminhos que a jovem ousa trilhar.
Não sabemos o nome da personagem ou o lugar onde ela vive, mas ficamos a conhecer a cegueira e a solidão que lhe atravessam a vida.
Quando a sua obra ainda não existia por cá, escrevemos aqui acerca do Fantástico Mundo de Jimmy Liao, dizendo que ele fala de percursos de vida, dos caminhos que se escolhem ou não, da transitoriedade e finitude da vida. De sentimentos, sonhos, medos, perdas... As personagens que cria não têm nomes, podendo ser qualquer um de nós. As histórias decorrem em lugares que existem em qualquer parte do mundo.
Sozinha no meio de multidões, a rapariga deambula por entre várias carruagens e estações. São muitos os perigos que se podem cruzar com quem não vê e muitas as metáforas visuais que Liao utiliza para os transmitir aos leitores. A dimensão dos perigos é evidenciada pelas proporções gigantescas do que vai surgindo, mas também pelas ausências... A partir de agora, o caminho faz-se a dois tempos. O das memórias e o da imaginação. A viagem é, acima de tudo, interior.
Sonho e realidade são os guias que a conduzem a lugares onde os cheiros e os sons são pintados de todas as cores. O pomar de onde espera que as maçãs sejam tão vermelhas quanto as cerejas, as costas da baleia de onde pode contemplar um céu azul de que já não se lembra...
Ao entardecer, quem me irá recitar um poema junto à janela? E quando a alegre multidão se for, quem virá aquecer o meu quarto vazio?
Como em todas as histórias de Liao, a par da solidão e da tristeza, a força, a coragem e a liberdade coexistem nos caminhos que traça.
A tristeza de ontem já está esquecida. Tudo o que pode ser esquecido é insignificante.
A cada saída de estação, existe um turbilhão de desafios à sua espera. Um olhar mais atento leva-nos a concluir que Liao não a deixou sozinha. No meio de um mundo de gigantescos perigos, uma pequena criatura parece ter sido ali colocada para, a uma distância segura, zelar por ela. A cada página, tentamos descobri-la. Porque tememos pelo desfecho desta história inacabada.
Liao é mestre em pintar sentimentos ou estados de alma. A solidão, a melancolia ou a esperança chegam até nós, leitores, através de um simples jogo de cores ou de uma carruagem vazia. O sentido ou dessentido da vida é o fio condutor que prende, sofregamente, miúdos e graúdos a cada um dos seus livros.
Jimmylianos de corpo e alma, reafirmamos a nossa paixão pelos sua obra repleta de poesia, de uma estonteante beleza e com uma forte dimensão onírica. O Som das Cores é dedicado a todos os poetas, termina com palavras de Rainer Maria Rilkee e, à semelhança de Desencontros, começa com as de Wislawa Szymborska, a polaca vencedora do Prémio Nobel em 1996.
É uma grande fortuna
não sabermos com precisão
em que mundo vivemos.
1 comentário:
Obrigada, Nazaré. Mal posso esperar para conhecer este Som das Cores!
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