quarta-feira, 19 de março de 2014

MY FATHER'S ARMS ARE A BOAT


Às vezes fechamos um livro mas não saímos dele. Silenciosamente, guardamo-lo entre as mãos, apertamos-lo junto ao peito, como se quiséssemos eternizar dentro de nós tudo o que ele contém.  Nesse tempo de silêncio, sentimo-nos  privilegiados, gratos por nos termos cruzado com ele.


My Father's Arms Are a Boat é um desses livros. O texto é da autoria de Stein Erik Lunde e as ilustrações são do norueguês Øyvind Torseter, um dos ilustradores que integram este ano  a "short list" do Prémio Hans Christian Andersen.


Na intimidade da casa, o rapaz debate-se com a dificuldade em adormecer. Nunca o silêncio fora tão grande. Incapaz de dormir, volta à sala e acaba no colo do pai, em busca de conforto.


Intuímos a razão de tal silêncio e a atmosfera de tristeza logo no inicio. Partilhamos a proximidade entre pai e filho, a cumplicidade do olhar, o calor dos  braços que se estreitam e apertam. Chegamos quase a conter a respiração. De alguma forma,  sentimo-nos intrusos.


Lá fora, o mesmo silêncio. E o branco da neve. Cá dentro, inicia-se um diálogo sobre pássaros vermelhos e a raposa caçadora. O rapaz exprime as suas dúvidas. Estariam os pássaros a dormir? E a raposa? Captamos-lhe o tom angustiante,  ao recear que a raposa possa chegar primeiro  ao pão que deixaram para pequeno-almoço dos pássaros. 


"Everything will be all right", diz o pai" The fox doesn't like bread".  Apesar do conforto expresso pelas palavras do pai, não parece totalmente confiante. Lembra-se do que a avó diz sobre os pássaros vermelhos. São pessoas que morreram.


Adivinha-se  que a pergunta possa chegar e tememos a resposta. Quando pergunta se a mãe está a dormir, o pai responde que sim. À pergunta se ela não volta a acordar, o pai responde que não. É chegada a hora de contemplar as estrelas e formular desejos.


A beleza do texto de Lunde é inquestionável. Porque falamos de perdas, as frases são curtas e intensas. Mas são as ilustrações de Torseter que nos desassossegam. O ilustrador norueguês socorre-se de uma técnica mista, com primazia para as "esculturas de papel".   O jogo de perspectivas, com as ilustrações a surgirem-nos  a 2D e 3D, resulta num trabalho notável.  São elas que nos fazem  ouvir o silêncio e vivenciar o pesar.


As perdas são inevitáveis e a vida continuará para além delas. Mas o tema revestir-se-à sempre da complexidade que cada um de nós lhe atribuir. Agora,  contemplando o lume, pai e filho partilham o silêncio e o amor.  O rapaz continua sem  conseguir dormir. 


"Everything will be all right," says Daddy.
"Are you sure?"
"I'm sure."


3 comentários:

helena zália disse...

que livro belíssimo :)

Unknown disse...

Fiquei apaixonada pelo livro e ainda não o conheço!!! Vai ser editado em Portugal?

hipopómatos na lua disse...

Marina, o livro foi editado em 2012, pela Enchanted Lion Books, uma editora de Brooklyn, que tem um catálogo notável. Não nos parece que chegue cá, pelo menos tão cedo. Por isso, partilhámos.