Quando é que a Hadda volta? | Anne Herbauts | Orfeu Negro
Criadora de um universo delicado, belo e poético, Anne Herbauts é uma das nossas autoras de eleição. Somos admiradores confessos do seu trabalho desde o primeiro álbum, Que fait la lune, la nuit? e não hesitamos em afirmar o nosso fascínio pelo seu universo inigualável. A chegada de um dos seus livros, pela mão da Orfeu Negro, faz-nos acalentar o desejo de que muitos outros possam suceder-se.
Detentora de um léxico gráfico inconfundível, Herbauts pega nas pequenas coisas da vida e eleva-as a uma dimensão profunda e filosófica. É nessa grandeza das coisas pequenas, que se revelam verdadeiramente importantes, que envolve os leitores, oferecendo-lhes um jogo sublime de emoções e arrebatamento. Os seus livros estão repletos de "portas semiabertas", cabendo-nos a decisão de as abrir ou fechar. São caminhos por desbravar, questões que se suscitam, interrogações que perduram e lugares impensáveis de visitar.
Com livros para públicos de todas as idades, esta fazedora de objectos de arte nunca deixa de nos surpreender, deslumbrando-nos com as técnicas e materiais, desenhos, cores, texturas, colagens, recortes, sobreposições... Ainda assim, por vezes, há todo um minimalismo que atravessa a sua obra, com grande sobriedade, elegância e rigor. Como se o universo "herbautsiano" fosse um lugar diferente e único de onde, nalguns dias, não nos apetece sair. Formada em artes, a autora belga diz-se, também, amante das palavras. Não hesita em situar-se num espaço existente entre ambas, reconhecendo-lhes igual importância. A harmonia dos seus livros demonstra-o bem.
Herbauts reconhece que o tempo é a sua matéria-prima preferida. Aqui não foge à regra e é ele o ponto de partida para este tocante e poderoso livro. Uma história que fala de ausência, mas também de recordação. Sem a presença de qualquer ser humano, o livro leva-nos pela intimidade da casa de alguém. Visitamos os recantos de uma vida, observamos os objectos, ouvimos o silêncio, sentimos o vazio. A dedicatória aposta no inicio já o indiciava, mas a autora não nos permite, em momento algum, a mínima dúvida sobre o facto de esta ser a casa de uma avó, sobre a sua ternura e amor incondicional pelo neto.
Quando é que a Hadda volta?
A insistente e única pergunta formulada ao longo de todo o livro é reveladora da dolorosa saudade e da inconformação sentidas pela criança. As respostas vão-se materializando nos pertences, nos cantos aconchegantes de uma vida que findou, mas que perdurará no coração daquela criança. Os óculos, as roupas, os naperons de renda, o jornal, a carteira, as inúmeras fotografias, as plantas, os sofás, o rádio, os apontamentos das partilhas vivenciadas e das brincadeiras a dois... As recordações que conferem a certeza de que esta ausência é tão somente física.
Pequenas frases poéticas vão tentando chegar ao coração da criança, no intuito de lhe dar a força de que necessita para ultrapassar a perda. Chegam em jeito de fogachos de uma "presença" efémera de quem já iniciou a derradeira viagem. Afinal, são os objectos e pertences, são aqueles lugares vividos pelos dois que lhe transmitem o muito que ela lhe deixou e o quanto dela continuará a viver nele. Hadda estará sempre por perto, o pequeno só tem de o descobrir.
Este é um álbum para todas as idades. Tocante, emocionante, belo e único. Só ao alcance de alguns. Mais uma vez, de Anne Herbauts.
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