quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Esta História
























Esta História | David Machado e João Fazenda | Caminho


Quem não conhece aquela sensação de tentar contar uma história, sendo sistematicamente interrompido? Contadores de histórias, pais, professores... todos já vivenciámos esses momentos em que a criança manifesta o seu total  desinteresse pela história que escolhemos para ela.
Não é coisa rara aqui, na livraria, ouvir os adultos relatarem a sua frustração por terem comprado um livro de que gostam muito, mas ao qual  a criança não deu qualquer importância. 
- O livro é magnífico, adoro este autor, a história é fantástica... mas o meu filho não lhe prestou a mínima atenção. 







































É para um desses cenários que esta divertida e hilariante história nos transporta. O diálogo entre o adulto e a criança atravessa todo o livro. O primeiro vai tecendo considerações sobre a história, os seus atributos e a forma como ela poderá interagir e até moldar o imaginário da criança. Na página seguinte, indiferente às considerações tecidas, a criança vai questionando se a história contém alguns dos "ingredientes" que são do seu interesse. A intensidade do diálogo vai crescendo a cada virar de página. O adulto não poupa nos argumentos para convencer a criança. Maravilhosa, inspiradora, repleta de beleza e de harmonia, são apenas algumas das qualidades enumeradas para a sua escolha. Alheio à argumentação, a criança não desarma. Por oposição, vai questionando, em crescendo, sobre "temáticas" que verdadeiramente lhe interessam. Cocó, ranho, vomitado, chulé, arrotos, ideias escanifobéticas, facas, pistolas, crianças mentirosas, vacas vesgas...







































Serão, provavelmente, muitos os adultos que não hesitarão em rotular as questões levantadas pela criança como disparatadas e impensáveis numa ""boa" história. Mas este é um tema recorrente. Nem sempre as histórias preferidas das crianças são aquelas de que o adulto faz apanágio. O que só por si é mais do que razão suficiente para nos questionarmos sobre o que lhes damos a ler e os critérios das nossas escolhas.
Neste livro, a resposta do adulto é , obviamente, sempre negativa. Mas o resultado não deixa de ser uma história hilariante, capaz de arrancar sonoras gargalhadas a leitores de todas as idades. Ou não fosse ela assinada por uma dupla de peso.








































Com mestria, as ilustrações de Fazenda evidenciam as duas posições em confronto. A escolha de um fundo branco e desenhos minimalistas para as páginas em que o adulto enaltece a qualidades da história não é inocente. A sobriedade ostentada parece acompanhar a ideia do adulto de que esta história pode ser o caminho certo para a vida se tornar mais simples, bela e harmoniosa. Por contraposição, as páginas em que a criança vai criando o seu universo de eleição enchem-se de cores fortes, de personagens, algumas das quais personificam o próprio disparate, de acção, de movimento. 





 


































Esta história é um livro divertido e hilariante. Mas não só. Entre risos de miúdos e graúdos, dá que pensar. Afinal, uma história para os mais pequenos não é isso mesmo? Uma boa dose de gargalhadas, polvilhadas com grande sentido de humor e uns belos disparates que elas tanto apreciam? Abram o livro e reflictam enquanto comem bolachas.

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