quinta-feira, 21 de março de 2024

Casa de Família


 













Casa de Família | Sophie Blackall | Fábula


Blackall é uma daquelas autoras que seguimos incondicionalmente. Com mais de cinquenta livros editados, premiada por várias vezes, incluindo a Caldecott Medal com o seu Olá Farol!,  continua a deslumbrar-nos a cada novo livro.
















Depois de aqui termos falado do nosso fascínio por livros sobre casas a propósito de Casa, de Carson Ellis, a chegada desta Casa de Família não podia ser mais oportuna. Inspirada  numa quinta em ruínas do séc.XIX, localizada no estado de Nova Iorque,  a autora decidiu reconstruir no papel o que o tempo tinha destruído, celebrando assim a vida e as rotinas diárias da família com 12 crianças que ali viveu. Para além dos seus habituais materiais, tinta da China, aguarela, guache e lápis de cor, Blackall utilizou ainda toda a espécie de objectos encontrados nas ruínas da casa: papel de parede, cadernos, jornais, sacos de papel pardo, roupas, lenços, cortinas e cordéis. O resultado é um livro magnífico onde, nós leitores, queremos morar vezes sem conta. 















A imensidão do campo e o estilo rústico dão as boas-vindas ao leitor, mas é a família numerosa que nos recebe a posar para o retrato de família que prende o nosso olhar. As crianças, que são muitas, enchem a casa toda e despertam a nossa curiosidade. Queremos conhecer a vida desta família numerosa e Blackal conduz-nos com mestria. As brincadeiras, as travessuras, os risos e os choros, as leituras, os sonhos... vão sendo revelados ao leitor através de pequenos blocos de texto em painéis amarelecidos e das deliciosas ilustrações que se espraiam a cada página, evidenciando múltiplos detalhes do dia a dia. Ilustrações feitas de camadas, como nos conta a própria autora. Umas mais visíveis do que outras, como acontece com as histórias à medida que são contadas e recontadas ao longo dos anos.















É nessas magníficas camadas de cores quentes que imaginamos as vidas de quem aqui morou. Que encontramos as marcas do crescimento das crianças, medidas ano após ano e visíveis numa ombreira. Os quartos, em estilo camarata, que nos revelam a coabitação de idades diferentes. As rotinas das horas das refeições e o espírito de entreajuda, os afazeres de uma casa no campo, os segredos próprios da adolescência... O crescimento e as diversas etapas de que se compõe vão preparando o leitor para um final já esperado. À medida que a idade avança, as escolhas e o caminho de cada um vão levá-los para fora da casa. O tempo irá esvaziá-la, mas as marcas do amor e das vivências que a atravessaram enquanto vivida pela grande família eternizam-se nas ruínas e na história agora contada por Blackall.


 


Ao leitor é permitido conhecer as escolhas que cada um fez. As profissões, a diversidade e a riqueza dos caminhos de todos e de cada um. Assistimos ao momento em que a filha mais nova, já velhinha, deixa a casa. Acompanhamos a saída, detectamos os laços que continuam a unir os irmãos e observamos a porta entreaberta para um sem número de memórias.




E quando pensamos que o tempo da casa está a chegar ao fim, eis que Blackall nos volta a surpreender, tornando-se ela própria parte da história. Ilustrando a sua chegada e dirigindo-se diretamente aos leitores, conta-nos a descoberta da casa e dos pedaços de passado que ali encontrou. Na nota de autora que encontramos no final do livro, surge a revelação de que adquiriu para si esta quinta em ruínas. 




Confessando o seu fascínio por coisas velhas, gastas e remendadas que mostram vestígios de mãos, corações e mentes há muito desaparecidas, coisas que contam histórias, fala-nos da sua pesquisa sobre a família, das conversas mantidas com gentes da zona, com familiares. Mostra-nos fotografias dos vestígios de uma vida repleta de acontecimentos e emoções, como os 21 vestidos feitos à mão que ainda encontrou ou o velho orgão.



Na nota podemos ler: Histórias sobre tudo e quase nada, que permanecem vivas muito depois de as crianças crescerem e as casas ruírem, enquanto as flores do campo balançam as pétalas ao sol.

 









Histórias, acrescentamos nós, que perduram neste precioso e incrível livro. Feito de retalhos e de afectos, de memórias reais e imaginadas por quem quer perpetuar vivências e um tempo passado num lugar que agora é seu. Uma casa onde, independentemente da idade, todos vamos querer passar muito tempo.

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