quinta-feira, 24 de junho de 2021

O Elefante da Dona Bibi


 

Entre leões e elefantes, este é um verão de leituras muito interessantes. Depois de falarmos aqui do leão Leonardo e do pequeno elefante Ernesto, hoje queremos falar de O Elefante da Dona Bibi, do iraniano Reza Dalvand, editado pela Fábula. Fãs do seu trabalho há algum tempo, festejamos a chegada do autor e esperamos já pelo próximo livro.



















A dona Bibi podia ter escolhido um gato, um cão ou até uma tartaruga para lhe fazer companhia? Podia, mas o seu animal de estimação é um elefante. Muito, muito grande. Esse é também o tamanho da amizade entre os dois. Partilham a vida com entusiasmo e alegria. Todos os dias dão um passeio pela cidade, de manhã divertem-se a brincar com as crianças e a tarde é regada com o habitual chazinho, acompanhado de bolo. Nham, nham... Antes de adormecer, a dona Bibi faz questão de contar sempre histórias ao seu elefante. Para que ele tenha bons sonhos.











Apesar da vida tranquila que levam, as pessoas da cidade não gostam do elefante. 

- demasiado grande  - demasiado barulhento  - causa muitos engarrafamentos. 

E o pior de tudo, consideram que ele é um mau exemplo! já imaginaram se todas as crianças quisessem um animal de estimação? As casas não são para isso, mas sim para estarem cheias de objetos bonitos e requintados. Em vez de perder tempo com o elefante, a dona  Bibi devia era ler o jornal, informar-se como investir o seu dinheiro e saber mais de economia.









Chegado aqui, o leitor já escolheu o lado da contenda. Também não tem dúvidas acerca do posicionamento do autor. Quanto à dona Bibi, ela não tem qualquer interesse por objetos luxuosos e, muito menos, por economia. O seu grande, muito grande interesse é o elefante com quem partilha os dias, com quem ri e a quem conta as histórias do que já viveu. 






Mas aquelas pessoas não desistiam. Movidas pela fúria e pela ignorância, acabam por obter uma decisão de um juiz a ordenar que o elefante passasse, logo na manhã seguinte, a viver no jardim zoológico. A noite é de tristeza para dona Bibi e para todos os leitores que estão do seu lado. A doce senhora contou histórias ao seu elefante até ele adormecer e abraçou-o muito. Não suportava a ideia de se separar do seu grande, muito grande amigo. Sabia que tinha de fazer alguma coisa para o evitar. Os leitores não sabem o quê, mas sabem que a apoiarão incondicionalmente.










Com uma paleta de cores alternando entre tons vibrantes e suaves e uma magnífica parafernália de padrões e detalhes, Dalvand prende os leitores logo na capa. As flores em relevo, o ar pequeno e frágil da carinhosa senhora sentada na tromba do seu animal de estimação, o contraste com o  tamanho deste... deixam antever toda a ternura que a história comporta. São elementos que nos levam a não resistir a abrir o livro. Uma vez lá dentro, o leitor vive a crescente tensão entre os dois lados, não hesitando nunca em relação ao seu posicionamento. Se alguma dúvida subsistisse, ela desapareceria no momento em que o autor nos mostra as caras daquela multidão em fúria. Composta por pessoas todas diferentes, mas unida pela resistência  à aceitação da diversidade.














É sem surpresa que, no dia seguinte, vemos que não está ninguém em casa da dona Bibi, quando aquelas pessoas chegam para levar o elefante. A casa é revistada à vista do leitor. Conferimos que não existem objetos finos e luxuosos, mas há maravilhosas fotografias que já nos fazem sentir saudades dos dois. A janela aberta deixa antever que ambos escolheram viver livres, juntos e felizes. Apesar de nos fazerem falta no resto da história, ficamos também felizes por eles. 

















Feliz não é uma palavra que possamos utilizar para aquela multidão. Depois da partida dos protagonistas da história, a cidade nunca mais foi a mesma. Todos deixaram de sorrir. s criança deixaram de brincar na rua. Sentiam saudades do elefante. Havia um vazio do tamanho de um elefante. Aquelas pessoas perceberam, finalmente, que eram todos mais felizes quando a dona Bibi e o seu elefante ali viviam. E talvez tenham entendido que uma casa é muito mais que um lugar com objetos luxuosos. É um lugar para se viver, onde até pode caber um elefante. Muito, muito grande. A decisão foi tomada. As crianças passariam a ter os seus animais de estimação. Cães, gatos e até houve quem escolhesse o seu próprio elefante. 

E a dona Bibi e o seu grande amigo? Descubram!  Abram o livro e fiquem por lá com os miúdos. Ele tem múltiplas leituras e apetece morar lá por muito tempo. E ter um elefante?

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Ernesto O Elefante


Anda por aí um elefante chamado Ernesto que é propriedade de Mr. Anthony Browne. Confessamos que já sentíamos a falta deste reencontro e saudamos o seu regresso, como habitualmente, pela mão da editora Kalandraka.



Ernesto é um elefante bebé que vive com a mãe e o resto da manada. Todos os dias caminham, comem, bebem e à noite dormem. O pequeno é feliz assim, mas não deixa de se questionar se a vida é só isto. A sua curiosidade leva-o a interpelar a mãe quando, um dia, passam perto de uma selva. As reacções maternas perante selvas e florestas são sobejamente conhecidas. A mãe de Ernesto não foge à regra e explica-lhe que aquele não é um lugar para elefantes bebés.



Mas nós, leitores, sabemos que Ernesto não será o último a ceder a estas tentações. Até porque, como é típico da pequenada, ele já não se considera um elefante bebé. E com a coragem própria de quem se sente um crescido, aventura-se mesmo selva dentro. Ao fascínio inicial da novidade, segue-se rapidamente a desorientação. O pequeno elefante sabe que está perdido! E o pior é que ninguém se mostra disponível para o ajudar. Entre os animais mais fortes e possantes, só colhe antipatia e indiferença. É assim com o gorila, com o leão, com o hipopótamo... O pequeno só quer voltar a encontrar a sua mamã, mas ninguém quer saber disso. Ninguém se importa com o seu desespero. O medo apodera-se de Ernesto e o choro não tarda a chegar. 



Em jeito de fábula, a ajuda vem de onde menos se espera. Nem Ernesto acredita na capacidade do pequeno e bem-educado rato que lhe oferece generosamente os seus préstimos para o ajudar a encontrar o caminho de volta. Mas é graças a ele e a essa  manifestação de solidariedade que  acaba por reencontrar a sua mamã e voltar à vida feliz. E saibam os leitores que o pequenito herói, aquele delicado ratinho, ainda reune no seu leque de qualidades a da humildade, não sendo dado a grandes protagonismos.


Um livro magnificamente ilustrado, onde as personagens exibem uma expressividade que só Browne parece conseguir. Uma história que os pais lhe contavam quando era pequeno e uns primeiros desenhos ainda guardados terão estado na origem deste novo livro, que aplaudimos. Agora que todos sabemos que as aparências iludem, agarrem nas crianças e aventurem-se pela selva. Mas fiquem atentos, porque também elas se podem deslumbrar nesta selva browneana, repleta de apetecíveis frutos, doces de fazer crescer água na boca, chupa-chupas e muitas outras iguarias. 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Como Ser Um Leão
























Leonardo é o leão por quem muitos se vão apaixonar este verão. Para os que pensam ser impossível nutrir tal sentimento por um animal tão feroz, capaz de nos engolir de um só trago- Ferra, trinca, Nham-Nham!saibam que não podiam estar mais enganados. Isso não é para o Leonardo, ainda que ele também tenha crescido a ouvir dizer que só há uma maneira de ser um leão.















O Leonardo não é como a maioria dos leões. Gosta de passear sozinho, sentir o sol quentinho no dorso e a erva debaixo das patas. Há dias em que sobe à sua montanha dos pensamentos onde pensa pensamentos importantes ou sonha acordado, onde bichana e brinca com as palavras, transformando-as em poemas. O Leonardo é um poeta!
























Isso já é demais, dirão alguns. Os leões não são mansinhos e, muito menos, poetas. Por exemplo, o que acontece se um leão encontrar uma pata? Ferra, trinca, Nham- Nham.  Já era!  E o que aconteceu quando o Leonardo encontrou a Mariana, uma pata que, por acaso, também era poeta? Pasmem! Os dois tornaram-se amigos e, juntos, até desencravaram as palavras de um poema que não estava a sair ao nosso leão. O Leonardo é especial!













O Leonardo e a Mariana descobriram que gostavam um do outro. Tornaram-se inseparáveis. Apanhavam sol juntos, brincavam, davam passeios, viam as estrelas cadentes, pediam desejos e tinham longas e profundas conversas. Próprias de dois poetas!




















É verdade que os poetas nem sempre são compreendidos. Leonardo não era excepção. Os seus pares andavam incrédulos e zangados. Porque é que aquela pata ainda não tinha sido devorada? A ordem era clara e inequívoca: - Leonardo, tens de ser feroz! Ele enfrentava-os e defendia Mariana com garras e dentes. O Leonardo era mansinho, mas corajoso!



















Mas tanto o Leonardo como a Mariana sabiam que tinham de fazer alguma coisa. Foi por isso que subiram à montanha dos pensamentos, juntaram as palavras e construíram o poema que conseguiu mudar aquela terrível situação. Os dois conseguiram mostrar que não há só uma maneira de ser um leão. Em jeito de fábula, Ed Vere oferece-nos uma história fantástica sobre a importância de sermos nós mesmos, de pensarmos pela nossa cabeça e não cedermos às cedências e pressões dos outros. Uma história onde a coragem e a bondade prevalecem sobre a raiva e as ideias pré-concebidas. Com uma paleta em tons fortes de laranja, onde sobressaem os  contornos pretos do nosso protagonista, é ele que enche todas as páginas.


Abram o livro e leiam o magnífico poema que estes dois amigos fizeram! Leonardo é um leão que vai apaixonar muita gente este verão. That's our lion!

terça-feira, 8 de junho de 2021

Migrantes


 












Não os conhecemos, mas vemo-los todos os dias. Sentimos que pouco ou nada podemos fazer por eles, mas não nos saem da cabeça. Nem tão pouco das conversas. São aos milhares. Velhos, novos, crianças, sozinhos ou em família... Fogem do medo, da guerra, da miséria... em direcção a um novo mundo cheio de nada. O que os move? A última coisa que morre dentro de cada um de nós, a esperança. Uma realidade dramática que já não escapa ao conhecimento das nossas crianças. Continuamos sem saber explicar-lhes porque milhares de crianças como elas têm de trilhar caminhos tão sórdidos e tenebrosos. Somos, muitas vezes, confrontados com as suas perguntas, com os seus espantos. Migrantes, o livro da peruana Issa Watanabe trazido recentemente para Portugal pela Orfeu Negro, nasceu da vontade de contar aos mais novos estas terríveis histórias de vida.












Migrantes é um livro sem texto, um testemunho silencioso que atravessa a escuridão dos dias e das noites. As palavras não são necessárias para compreender os dramas que estas personagens carregam consigo. Num cenário feito de folhas negras, um grupo de animais humanizados ilustra a dureza de uma travessia tantas vezes vivida por milhares de pessoas. Envergam trajes coloridos, num evidente contraste com o escuro dos caminhos que pisam. De acordo com a autora, essa foi a forma encontrada para dar a cada um uma identidade própria. À escolha de animais presidiu a intenção de universalizar a história, não lhes atribuindo qualquer raça ou lugar de proveniência, e também os destinatários. 


Por terra e mar, caminham e sofrem em silêncio. A bagagem é pouca e a morte, personificada por uma caveira coberta por um manto florido, é companheira de viagem. Entreajudam-se, não querendo que nenhum fique para trás. Mas o leitor sabe que dificilmente o grupo chegará ao fim sem perdas.  Sempre que viramos a página, não sabemos o que vamos encontrar. Mas, é sem surpresa que vemos o manto da morte perder a cor.


















Watanabe inspirou-se no livro do fotógrafo sueco Magnus Wennman, Where The Children Sleep,   e no contacto próximo que manteve com um migrante num período que viveu em Maiorca. Sem condescendências e de forma notável, a autora  consegue tocar os mais novos com uma história sobre acontecimentos que, infelizmente, já se tornaram de todos os dias. E se fosses tu?