Iniciámos este espaço de leituras para mais crescidos com um livro do Planeta Tangerina, O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca, o primeiro da colecção Dois Passos e Um Salto para adolescentes e leitores mais crescidos. Hoje, falamos do segundo livro da colecção, Irmão Lobo, escrito por Carla Maia de Almeida e ilustrado por António Jorge Gonçalves.
Esta é uma história a dois tempos. Contada por Bolota, ou melhor, Princesa Bolota das Florestas do Norte, herdeira do Clã do Pássaro Trovão, o elemento mais novo dos cinco que compõem a família.
O relato dos acontecimentos vivenciados aos oito anos por Bolota alterna com a memória esbatida, mas já depurada, que, aos quinze, a adolescente guarda deles. A cor diferenciada das páginas, revezando entre o azul e o branco, identifica-nos o presente e o passado da narrativa.
Bolota conta-nos a história do desmoronamento da sua própria família, a viver num país e num tempo, também eles à beira de ruir. É essa galopante viagem, a que chamou A Grande Travessia no Deserto da Morte, que nós, leitores, acabamos por fazer com ela.
A “deconstruçao” desta família, que em tempos aparentou ser feliz, é reflectida nas sucessivas mudanças de casa, sempre para espaços mais exíguos, levando a que algumas coisas vão ficando de fora. Foi o que aconteceu com Malik, o cão, companheiro de quem Bolota se viu separada. Mas também com as cumplicidades de que é feita a harmonia familiar e que levam a Bolota adolescente a interrogar-se se alguma vez teria mesmo existido.
Uma família, afinal,
igual a tantas que conhecemos. De quem Bolota nos fala através de alcunhas, como se de verdadeiros códigos em tempo de guerra se tratasse. Um pai desempregado, desencantadamente
sonhador e que desesperadamente intenta uma fuga em busca do nada. O irmão mais velho, Fóssil, e a eterna problematica
das drogas, uma irmã adolescente que perdidamente tenta encontrar o seu espaço, uma mãe amarga...
A ingenuidade e a pureza dos 8 anos de Bolota, evidenciadas
pelas páginas brancas, aproximam-nos desta criança frágil mas lutadora desde o
primeiro momento. Uma menina que, em cenários adversos, faz fogueiras daquelas
que só funcionam com o pensamento mágico
e que transforma um prato de picanha no Reino da Picalândia...
Que não percebe porque dizem ter nascido “fora de tempo” e que quer tirar a limpo porque será ela o “pombo da
discórdia”.
Uma adolescente que, depois desta Travessia, chega aos quinze anos com o distanciamento necessário para fazer escolhas e se vai
construindo a si própria.
As ilustrações de António Jorge Gonçalves, a preto, azul e
branco, reforçam a atmosfera
triste e nostálgica e acentuam a zona de conflitualidade interior que cada uma
das personagens deixa antever. Um livro intenso, que nos desassossega e que, à
semelhança do que Malik faz com Bolota, nos continua a seguir...
Dele, a autora diz que "este é também um romance on the road." Talvez por isso nos tenha apetecido ler o Irmão Lobo lá fora...