terça-feira, 30 de abril de 2013

Irmão Lobo

Iniciámos este espaço de leituras para mais crescidos com um livro do Planeta Tangerina, O Caderno Vermelho da Rapariga Karateca, o primeiro da colecção Dois Passos e Um Salto para adolescentes e leitores mais crescidos. Hoje, falamos do segundo livro da colecção, Irmão Lobo, escrito por Carla Maia de Almeida e ilustrado por António Jorge Gonçalves.
Esta é uma história a dois tempos. Contada por Bolota, ou melhor, Princesa Bolota das Florestas do Norte, herdeira do Clã do Pássaro Trovão, o elemento mais novo dos cinco que compõem a família.
O relato dos acontecimentos vivenciados aos oito anos por Bolota alterna com a memória esbatida, mas já depurada, que,  aos quinze, a adolescente guarda deles. A cor diferenciada das páginas, revezando entre o azul e o branco, identifica-nos o presente e o passado da narrativa.
Bolota  conta-nos a história do desmoronamento da sua própria família, a viver num país e num tempo, também eles à beira de ruir. É essa galopante viagem, a que chamou A Grande Travessia no Deserto da Morte, que nós, leitores, acabamos por fazer com ela.
A “deconstruçao” desta família, que em tempos aparentou ser feliz, é reflectida nas sucessivas mudanças de casa, sempre para espaços mais exíguos, levando a que algumas coisas vão ficando de fora. Foi o que aconteceu com Malik, o cão, companheiro de quem Bolota se viu separada. Mas também com as cumplicidades de que é feita a harmonia familiar e que levam a Bolota adolescente a interrogar-se se alguma vez teria mesmo existido.

Uma família, afinal,  igual a tantas que conhecemos. De quem Bolota nos fala através de alcunhas, como se de verdadeiros códigos em tempo de guerra se tratasse. Um pai desempregado, desencantadamente sonhador e que desesperadamente intenta uma fuga em busca do nada.  O irmão mais velho, Fóssil, e a eterna problematica das drogas, uma irmã adolescente que perdidamente  tenta encontrar o seu espaço, uma mãe amarga... 

A ingenuidade e a pureza dos 8 anos de Bolota, evidenciadas pelas páginas brancas, aproximam-nos desta criança frágil mas lutadora desde o primeiro momento. Uma menina que, em cenários adversos, faz fogueiras daquelas que só funcionam com o pensamento mágico  e que transforma um prato de picanha  no Reino da Picalândia...
Que não percebe porque dizem ter nascido “fora de tempo” e que quer tirar a limpo porque será ela o “pombo da discórdia”.
Uma adolescente que, depois desta Travessia,  chega aos quinze anos com o distanciamento necessário para fazer escolhas e se vai construindo a si própria.
As ilustrações de António Jorge Gonçalves, a preto, azul e branco,  reforçam a atmosfera triste e nostálgica e acentuam a zona de conflitualidade interior que cada uma das personagens deixa antever. Um livro intenso, que nos desassossega e que,  à semelhança do que Malik faz com Bolota, nos continua a seguir...
Dele, a autora diz que "este é também um romance on the road."  Talvez por isso nos tenha apetecido ler o Irmão Lobo  lá fora... 


quarta-feira, 24 de abril de 2013

O TESOURO L-i-b-e-r-d-a-d-e


Há muitos anos, num país muito distante vivia um povo infeliz e solitário, vergado sob o peso de uma misteriosa tristeza.

As pessoas, quando se encontravam, nos cafés, nos empregos, na rua, falavam baixo, como se alguma coisa, um segredo terrível, as amedrontasse.
No País das Pessoas Tristes, as pessoas não podiam fazer o que queriam nem podiam dizer o que pensavam ou sentiam. E também não podiam conhecer outros povos, vivendo fechadas no seu país, como se ele fosse uma prisão.
Havia polícias por toda a parte que as perseguiam e lhes batiam se elas não dissessem nem pensassem o que eles queriam que dissessem e pensassem.
Os meninos do País das Pessoas Tristes não podiam ouvir as músicas, nem ver os filmes, nem ler os livros e as revistas de que gostavam... Nem sequer podiam beber Coca-Cola, porque a Coca-Cola também era (ninguém sabia porquê) proibida!
As raparigas e os rapazes não podiam conversar nem conviver. Elas não podiam vestir calças nem andar sem meias e eles eram mandados para horríveis guerras  em países longínquos e obrigados a matar gente que não conheciam e que nunca lhes tinha feito mal nenhum, e muitos deles morriam lá ou regressavam loucos ou estropiados. 
No País das Pessoas Tristes, tudo isto acontecia porque alguém tinha roubado o maior e mais valioso tesouro que aquele povo tinha... A Liberdade.
Mas um dia, as pessoas decidiram reconquistá-lo. Era o dia 25 de Abril. Esse dia passou para sempre a chamar-se o Dia da Liberdade.
Depois de Manuela Bacelar e Evelina Oliveira, nesta edição da Assírio &Alvim, é Pedro Proença quem ilustra O TESOURO, de Manuel António Pina. O Tesouro de todos nós.


terça-feira, 23 de abril de 2013

Dia Mundial do Livro



Hoje comemora-se o Dia Mundial do Livro. Foi assim que Gémeo Luís ilustrou o cartaz da DGLB. 


Nós por cá, acordámos com o jardim cheio de sol...

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A menina de vermelho... e os lobos.

Os Hipopómatos andam às voltas com lobos. Depois de termos começado a semana com o conto de Saki, onde o lobo comeu a menina impecavelmente vestida de branco, a tal que era horrivelmente boa, outros lobos se passeiam por aqui...
A verdade é que desde que Capuchinho e o Lobo foram transportados para o livro pela mão de Perrault e dos Grimm, nunca mais deixaram de fazer parte das nossas vidas. E apesar das "mil e uma versões"  que deste conto se vão fazendo,  continuamos a ser surpreendidos por estas duas criaturas!

Capuz cresceu e em CAPUZ E O LOBO, de José Manuel Saraiva/ Tiago Salgueiro,  regressa à aldeia e ao local onde outrora existiu a casa da avó.
Sinal dos tempos, é agora uma professora desempregada. Uma mulher só e angustiada, saída de uma relação amorosa fracassada e cansada da vida cinzenta da cidade.
O reencontro com o filho do lobo mau dá-se naturalmente... mas Capuz foi em busca de algo mais... 
Uma versão, no mínio curiosa e obrigatória para todos os que seguem as andanças da menina de vermelho.
Os tempos mudam e as florestas também. A menina de vermelho, com texto de Aaron Frisch( autor e editor, de 37 anos,  que morreu em Janeiro último) e ilustrações de Roberto Innocenti, recentemente editado pela Kalandraka, é uma fabulosa versão adaptada aos nossos dias.
Aqui, a menina de vermelho tem nome. Sofia, uma menina bem-comportada, vive numa floresta, com poucos troncos e folhas. É feita de cimento e tijolos e cheia de perigos. A avó vive no bosque, que fica do outro lado da floresta.
A menina não esquece as palavras da mãe. Deverá ir sempre pela rua principal, onde as multidões podem ser sinónimo de segurança.
Mas Sofia ainda está a aprender como funciona o mundo selvagem e pelo caminho deslumbra-se, observando as maravilhas da floresta. Música, magia e mistérios.

O bosque é o coração da floresta, um mundo cheio de cores, ruídos e tentações e é por isso que, embora não esquecendo os avisos da mãe, não resiste à sua montra preferida. Mas o coração da floresta também pode ser muito escuro e Sofia acaba por se perder.
Nas zonas mais selvagens da floresta  impera a lei do mais forte e depois de se ver rodeada de chacais, esse papel parece estar reservado ao caçador
Um motoqueiro sorridente, com dentes grandes, moreno, forte, que chega anunciado pelo ribombar de um trovão... Sofia fala-lhe da avó e da sua casinha, das bolachas e do mel que lhe leva...
Ele conhece bem a floresta  e promete-lhe viagem rápida até casa da avó. Pelo caminho,  o telemóvel toca, relembrando-lhe assuntos urgentes...
Sofia terá de continuar a pé... E nós não contamos mais! Porque este é um livro para ver, muitas vezes!
Num registo próximo da banda desenhada,  as ilustrações de Roberto Innocenti deixam-nos sem fôlego! Nada parece ter sido esquecido neste retrato de um mundo que pode ser, ao mesmo tempo, apelativo e a cores, estonteante e mágico, escuro, caótico, misterioso e perigoso. Afinal, o nosso! 
Um mundo onde os lobos e os chacais não são assim tão diferentes. Geralmente têm o mesmo sorriso malévolo...  mas em que as histórias podem ser mágicas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

EL CONTADOR DE CUENTOS


Considerado por muitos um clássico, EL CONTADOR DE CUENTOS é um dos contos mais conhecidos de Saki. Com ilustrações de Alba Marina Rivera, foi editado em 2008 pelas Ediciones Ekaré e premiado em Bolonha no ano seguinte.

Numa carruagem de comboio, três irrequietas crianças viajam na companhia de uma tia que tenta pacificá-las, contando-lhes histórias enfadonhas de meninos "bem comportados".

Para desespero de um circunspecto passageiro que partilha a carruagem, as sucessivas tentativas da tia revelam-se infrutíferas.
Os petizes continuam "a pintar a manta" e o homem vai perdendo a paciência perante a incapacidade, ou melhor, a falta de jeito daquela tia para cativar a atenção das três “pestinhas”, uma das quais entoa repetidamente o primeiro e único verso que sabe de um conhecido poema de Kipling.

Tudo tem limites e o homem acaba por se intrometer, comentando o inêxito da mulher como contadora de histórias, o que a leva a ripostar ser muito difícil contar contos que as crianças entendam e ao mesmo tempo apreciem. 

Desafiado a fazer melhor, o homem começa um conto cujo inicio não augura melhor sorte: era uma vez uma menina extraordinariamente boa. 

                     
Mas o que parecia uma história convencional, igual a tantas outras, evolui rapidamente por um caminho diferente.  A menina extraordinariamente boa torna-se horrivelmente boa, o que só por si é suficiente para captar a atenção da criançada.

                             
A menina horrivelmente boa é detentora de três medalhas: a da obediência, a do bom comportamento e a da pontualidade e acaba mesmo por ter direito a prémio. O príncipe convida-a a visitar o parque do palácio. Um parque precioso, nunca antes visitado por crianças, onde não há flores e abundam porcos.

E é nesse cenário que surge um nosso velho conhecido...o lobo mau. O objectivo  era tão só comer uns porquitos, mas depois de avistar aquela menina, de vestido tão impecavelmente branco que se via ao longe, rapidamente mudou de ideias. 

Perseguida pelo lobo, a menina horrivelmente boa foge a sete pés e acaba escondida nos arbustos, sustendo a respiração.

O animal já dera por perdida a caçada quando o tilintar das medalhas, chocando umas contra as outras, se tornou audível e... zás!


Da menina horrivelmente boa só sobraram mesmo as medalhas e os sapatos... E na carruagem, o silêncio foi interrompido apenas pela indignada tia que considerou o conto completamente inadequado e suficiente para deitar a perder o trabalho de anos de uma esmerada educação.


Ironia, humor e inteligência são características da obra de Saki que estão presentes ao longo de todo o conto. As magníficas ilustrações de Marina Rivera, que parecem recriar uma época vitoriana, completam este livro com formato de carruagem, de forma brilhante. Exemplo disso é a imagem da menina horrivelmente boa completamente decalcada da figura da tia.

No Dia Mundial da Voz, aqui fica a nossa homenagem a todos os contadores de contos inadequados... a todos os que emprestam a sua voz às histórias, fazendo vibrar pequenos e grandes ouvintes!