O Gaspar na Noite | Seng Soun Ratanavanh | Orfeu Negro
Quando um livro sobre uma temática usual na infância nos chega às mãos, temos sempre aquela curiosidade de saber o que o diferencia de muitos outros que já conhecemos. Que tipo de abordagem e de originalidade transportará consigo, se conseguirá surpreender os leitores... Neste caso, Ratanavanh, a ilustradora do onírico universo de Miyuki, oferece-nos uma história que tem tanto de surpreendente como de deslumbrante.
O cenário é o da casa de um pequeno e solitário rapaz que, como muitos outros da sua idade, tem dificuldade em lidar com a noite e tudo o que lhe está associado. O escuro, os barulhos, as sombras fazem com que Gaspar se mantenha de olhos bem abertos, esperando, em vão, que o sono e os sonhos se apoderem de si. A dificuldade de adormecer leva-o a desejar ter por perto um amigo, por mais pequeno que seja. E, como na noite tudo pode acontecer, eis que a resposta chega pela voz de uma elegante ratinha surgida de uma pequena porta na mesa de cabeceira.
Ainda com Gaspar atordoado pela sua aparição, ela propõe-se explorarem a casa em busca desse amigo. É o inicio de uma mágica digressão que leva o leitor a suspeitar que pode estar a adentrar-se pelo mundo dos sonhos. A casa revela-se um cenário fascinante e cada página exibe uma nova personagem, um potencial amigo. Todos parecem saídos de um qualquer país das maravilhas. Uma toupeira bibliotecária, um coelho pianista, um panda que acalenta o sonho de ser campeão do mundo de badminton... De uma forma ou de outra, cada um enfrenta os seus medos, o que acabará por os unir.
Ratanavanh não poupou nos detalhes e oferece-nos uma deslumbrante parafernália de pormenores que pede a minúcia do nosso olhar. Os jogos de sombra e de luz, os incríveis papéis de parede, os deliciosos azulejos, os inúmeros padrões e a riquíssima paleta de cores a que já nos habituou, fazem o leitor querer habitar a casa de Gaspar e ser o seu amigo. Este é um mundo encantado, onde personagens entram e saem dos quadros, borboletas saem do papel de parede e se passeiam pela casa, as casas de bonecas deitam fumo das chaminés, os candeeiros podem ser árvores ou casas, onde uma banheira se transforma num lago de nenúfares e até um frigorífico alberga uma floresta...
O convívio e as experiências que vivem juntos permitem a Gaspar um novo olhar da noite. Graças aos dotes culinários de uma das personagens, todos acabam à volta da mesa deliciando-se com um magnífico repasto. E não será só pela luz das velas que o rapaz percebe que a noite, afinal, não é assim tão escura.
Depois da emocionante digressão, Gaspar regressa ao quarto. Agora, escoltado por todos os novos amigos. O leitor também faz o caminho de volta e, se por acaso estava distraído, é altura de recomeçar e ver que todos eles já estavam no quarto quando abriu o livro. O ratinho de corda, o porquinho mealheiro, a bola de neve do pinguim, o coelho de peluche... É um exercício e tanto, essa descoberta! Certamente, se perguntará, se tudo isto não passou de um sonho, se tudo estava apenas na cabeça do pequeno. Mas isso pouco importa comparado com o facto de, juntamente com os amigos, ter ultrapassado os medos que tinha no princípio da história. Um deslumbrante hino à imaginação, alicerçado no poder dos livros. Porque é esse o ponto de partida para o maravilhoso mundo de Gaspar.
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