quinta-feira, 23 de novembro de 2023

As Casas das Coisas

 











As Casas das Coisas | João Pedro Mésseder e Rachel Caiano | Caminho


Apresenta-se como um livro de prosas pequeninas que desafia a pensar, e onde a diversão e a poesia dão as mãos. À primeira vista, parece pensado para gente pequena. Mas o leitor conhecedor dos seis livros desta série sabe que não é assim. A escrita méssederiana não tem idade. Já aqui escrevemos, a propósito do autor, que a sua escrita intensa e plena de sentidos é um ponto de encontro entre pequenos e grandes leitores. 























Talvez por falarem  de coisas de todos os dias, os pequenos livros  desta série albergam  o leitor vagarosa e prazenteiramente, impelindo-o a pensar.  Sobre as coisas, sobre a vida. Afinal, esse é o objectivo do autor . As metáforas povoam-lhe o universo, apresentando-se envoltas em subtileza. Assim como algumas das casas que encontra para as coisas.

A casa da luz eléctrica será a escuridão? 

E a areia sem-abrigo terá ela casa? 

Os livros possuem segunda habitação, de férias? 























A delicadeza das ilustrações de Caiano, parceira em todos os livros da série iniciada em 2012, guia-nos por todas estas casas por onde vamos entrando. Com o traço  genuíno e puro a que já nos habituou, as páginas vão revelando uma imensa cumplicidade entre imagens e texto. Uma harmonia que respira liberdade. À semelhança do vento que é casa para o cavalo. 


 





















Quando é que a bruxa má perde a casa? Será, sem dúvida, uma questão que os mais pequenos gostarão de deslindar. Tal como as casas da Lua, da chuva, dos pássaros... Enquanto isso, nós, leitores mais velhos, vagueamos por este universo, reflectindo sobre outras casas.  Como a triste casa do Pai Natal ou a casa que a areia sem-abrigo não tem. Até porque quando iniciámos a viagem, a pergunta já nos ocupava a cabeça : Haverá coisa ou pessoa que não precise de casa, casinha ou casarão?

























É neste livro de prosas pequeninas que encontramos  as outras casas. Aquelas que não são. É também em prosa que o leitor é convidado a construir a sua casa. O poeta, esse, já ergueu a sua. Com sólidos alicerces de poesia. 

















Este sábado, damos casa ao escritor João Pedro Mésseder e à ilustradora Rachel Caiano que virão apresentar As Casas das Coisas, trazendo consigo as guitarras e toda uma parafernália de instrumentos musicais. Estão todos convidados.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Feijão e a Avó





Feijão e a Avó | Karen Hesse e Charlotte Voake | Orfeu Negro

 

Esta é uma história de cumplicidade entre avó e neto que encantará os leitores mais pequenos. Uma cumplicidade tão forte que resiste até às condições adversas do tempo. Ainda que o dia se apresente sombrio e ventoso, os dois aventuram-se numa ida à praia. E quem não gostará de, fora de época, chegar a uma praia vazia, procurar conchas, fazer castelos na areia, fugir das ondas ou correr pelas dunas? 




Uma narrativa predominantemente visual atravessada por um mar em tons cinzas e castanhos que evidencia o dia sombrio e ventoso.  Espraiando-se na imensidão das duplas páginas, nele sobressaem as figuras dos dois protagonistas. As cores fortes da indumentária de avó e neto, por contraste com as cores pálidas do cenário, captam a atenção do leitor assim que a história se inicia. Os confortáveis agasalhos que vestem dizem-nos que são daqueles que não se deixam intimidar pela chuva dos dias. 



A cumplicidade entre os dois é óbvia. Não precisam de muito para se divertir. Fazer castelos de areia, brincar com a espuma, observar os pássaros... podem ser entretenimentos maravilhosos. Ainda que molhados, atravessar as dunas e vencer "alguns perigos" pode tornar-se uma daquelas sensações que perduram e se tornam memórias indeléveis da infância.

 

O curto texto em rima ajuda à toada deste passeio à beira-mar, que se revela, ao mesmo tempo, destemido e saborosamente relaxante. Pelo que já conhecemos desta avó, sabemos que ela jamais se esqueceria da cereja no topo do bolo. O descanso merecido é acompanhado de uma pausa para um lanche, onde não faltam as bananas e uns apetitosos bolinhos que deixam o leitor com água na boca.



E como estes são os dias que muitos de nós aproveitam para passear os amigos de 4 patas na praia, pelo meio, Feijão ainda ganha novos amigos. As magníficas ilustrações de Voake transmitem-nos a imensidão do mar e das emoções experienciadas pelo menino. Na praia de enormes dimensões, habitada por pássaros indiferentes ao tempo e pelas poucas pessoas com que se cruzam, o passeio à beira-mar é algo de único. À semelhança dos laços e das cumplicidades entre avó e neto.



Este é um dia que vai ficar na memória do pequeno Feijão. Um dia repleto de emoções, de sensações indizíveis que não caberão todas nas conchas que leva consigo, mas que terão lugar cativo no seu coração. Aventurem-se, a praia é mesmo grande.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Obrigado, Avó Omu!

 






















Obrigado, avó Omu! | Oge Mora | Fábula

A generosidade, o espírito de partilha e a gratidão são os pilares desta história construída pela autora como uma homenagem à sua avó. Vencedor, entre outros prémios, da Caldecott Medal, o livro encerra uma deliciosa e bela abordagem da vida em comunidade, da proximidade com os outros e do altruísmo. Mora já nos tinha encantado com Sábado, um livro de que falámos aqui























A figura da avó que cozinha um guisado vermelho, convicta de que vai ter o melhor jantar de sempre, os traços de bondade evidenciados no rosto,  a panela de enormes proporções e o livro que vai lendo enquanto a comida se apura prendem o leitor no inicio do livro, não o libertando mais. É com água na boca que seguimos o magnífico aroma que ultrapassa o espaço circunscrito da casa, invade todo o bairro e não deixa ninguém indiferente.























Talvez por isso, o leitor não se surpreenda quando um pequeno garoto bate à porta indagando sobre tão delicioso cheiro, MMMMM. Com uma panela de tão grandes dimensões, a avó Omu não teve dúvidas em partilhar com o pequeno o seu guisado. Com ele  e com todos os que lhe viriam bater à porta. Claro que só mesmo uma criança poderia desbravar este caminho, sucedendo-lhe, entre outros,  uma polícia, um vendedor de cachorros-quentes, um lojista, um taxista, um médico, uma atriz, um advogado, uma bailarina, uma pasteleira, uma artista, um atleta, e até a presidente da câmara! Com todos, Omu partilhou o seu delicioso guisado vermelho.
























Com uma estrutura repetitiva,  a autora deixa que o leitor antecipe o que lhe pode trazer a página seguinte, mas aguça-lhe a vontade de, sempre que batem,  abrir a porta de casa da avó e conhecer cada uma das personagens que se atreveu a seguir o delicioso aroma. E esta inteligente proximidade que cria com os leitores, colocando-os dentro de casa da avó, faz-se tanto com o texto como com as deliciosas ilustrações. A técnica da colagem predomina no universo de Mora e tal como em Sábado, o recurso a papéis padronizados, texturas e a recortes de livros antigos atravessam todo o livro.  O mesmo acontecendo com a diversidade racial e cultural, uma marca nos seus livros.























Depois de tanto a ver partilhar, e quando o corrupio de gente à porta termina, o leitor  não consegue deixar de sentir a tristeza desta avó, que é também já sua, quando  ela percebe que na grande panela não sobeja nada. Fazemos nossa a desilusão estampada no rosto de Omu por já não ter nada para comer daquele que iria ser o seu melhor jantar de sempre. Mas, mais uma vez, o leitor quer ficar lá por casa e festejar o grande e gratificante final que Mora encontrou para a sua história. A avó Omu teve o melhor jantar da sua vida e nós, leitores,  um livro para saborear e cheirar muitas vezes.


quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Todos e Cada Um de Nós



 






















Todos e Cada Um de Nós | Liisa Kallio | Lilliput

A temática é recorrente e necessária. Vivemos um tempo em que urge conversar com os mais novos sobre a forma como ocupamos o nosso lugar no mundo e como nos relacionamos com os outros. O respeito pela diversidade será sempre tema inacabado.










Depois de termos vivido uma pandemia e de assistirmos ao escalar de duas guerras, contar o mundo aos mais pequenos é, hoje, mais complexo. Mostrar-lhes que todos contamos, todos somos importantes e podemos fazer a diferença é outra história. E essa pode ser bem contada. De forma simples e genuína, é o que faz esta autora finlandesa. Kallio oferece-nos um livro com uma paleta suave e desenhos feitos, predominantemente, com lápis de cor. Os mais pequenos conseguirão, sem esforço, identificar-se com as personagens que assomam a cada página, com os seus gostos e comportamentos. 























Uns gostam de balouçar, outros de jogar à bola, outros de dançar... Há quem goste de ler livros, há quem goste de se espreguiçar. Somos todos diferentes. E cada um de nós é único. Todos experienciamos os mesmos sentimentos e estados de alma. Umas vezes estamos felizes, outras tristes. Às vezes zangamo-nos, outras fazemos as pazes. Todos temos medos e, em determinados momentos,  todos somos corajosos. Afinal, somos todos parecidos. 














A conclusão é óbvia, mas nem por isso pacífica. Somos todos seres a viver no planeta terra, debaixo do mesmo sol e da mesma lua. Todos contamos. Pequeninos, médios e grandes. Acreditamos que crescer com estas histórias, aprendendo a respeitar e a aceitar a diversidade, seja um importante contributo para que possamos ter um mundo mais justo, com lugar para todos e onde a única coisa que se queira matar seja a guerra. Todos (contamos) e cada um de nós (é importante).