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sábado, 7 de março de 2020

O Avô tem uma Borracha na Cabeça




Um dia descobri que o meu avô tinha uma borracha na cabeça. As borrachas apagam coisas. E a cabeça do meu avô apagava coisas. As coisas dele. A vida dele. Assim começa O Avô Tem Uma Borracha Na Cabeça, o livro escrito por Rui Zink e ilustrado por Paula Delecave (Porto Editora), uma história de cumplicidades e de afectos que ameaça ser interrompida pelas crescentes falhas de memória do avô.


A história é contada pelo neto que transmite ao leitor as histórias de vida que sempre ouviu do avô. Feitas de memórias, de fotografias, de objectos. São elas que preenchem a maior parte dos momentos que dividem, das conversas, dos passeios. A proximidade entre os dois, as cumplicidades, fazem-se dessas vivências partilhadas.


Um dia, o rapaz dá-se conta que a memória do avô lhe começa a pregar algumas partidas. Que, às vezes, o avô esquece coisas. No princípio,  coisas simples. O chapéu, a caneta... Depois, o avô começou até a trocar-lhe o nome, a esquecer o caminho de volta para casa. A relutância e dificuldade dos pais em abordar o problema, leva a que seja o pequeno a diagnosticar a doença: o avô tem uma borracha na cabeça. 


Apesar de lhe dizerem que a doença não tem cura, o rapaz não se conforma e sonha ser um grande cientista inventor, capaz de remendar as memórias do avô. Assim nasceu a ideia de escrever e desenhar a vida do avô, as histórias  que ele lhe tinha contado... Porque se o avô tem uma borracha na cabeça, nós somos um lápis! 
É cada vez maior o número de famílias que se confronta com a doença de  Alzheimer. É difícil não conhecermos alguém que tem um ente querido ou um amigo próximo que progressivamente se alheia do mundo. Não sendo uma abordagem muito comum na LIJ, surge aqui contada de forma simples e directa pelo pequeno neto,  tocando leitores de todas as idades. Zink partiu de uma vivência familiar para criar esta história carregada de sensibilidade e de amor. 



O texto de Zink é magistralmente  ilustrado por Delecave, que, reunindo um conjunto de elementos, consegue transportar-nos com exímia eficácia para o universo do avô, deixando no leitor uma sensação de grande proximidade. O uso de papel quadriculado, a esbatida paleta de cores, os caracteres meio apagados, o recurso à técnica da  colagem, a fotografias antigas, de anónimos e da sua própria família, a desenhos de autoria do pai enquanto criança... desembocam num trabalho apuradamente genuíno e revelador das memórias que as gavetas da vida podem guardar. 

Tudo boas razões para assistir à apresentação do livro que os autores farão amanhã, domingo, dia 8, às 14.30H, na Casa dos Hipopómatos. Estão todos convidados!



terça-feira, 5 de julho de 2016

O Cão Que Comia a Chuva


Richard Zimler escreveu. Júlio Pomar ilustrou. O resultado é um livro de extrema delicadeza. Apaixonante pelo que conta, irresistível pela proximidade que nos incute com as  personagens que vivem nas suas páginas. 


Bullying é uma palavra de origem inglesa que, infelizmente, todos conhecemos e muitos vivenciamos. Sem que alguma vez apareça escrita ao longo do livro, ela está presente na cabeça do leitor desde que a história começa a ser contada por Violeta, a gata da casa. 


O começo é precioso... 
Quase toda a gente disse que não estava bem que o cão tivesse derrubado o rapaz e o tivesse mordido, mesmo que ele o merecesse. Se calhar tinham razão. Mas eu não podia culpar o Adão. Se fosse tão grande e forte como ele, talvez tivesse feito bem pior! Mas as minhas emoções estão a conduzir-me para o fim da história antes de contar o começo...
Fugindo à tentação, Violeta conta-nos que mora em Lisboa, numa pequena casa branca, com cortinas amarelas nas janelas, perto do jardim da Estrela, e apresenta-nos a família. Partilha o quarto com Adão, um border collie, com focinho e corpo metade branco, metade preto, que tem por hábito morder a chuva.


Sempre que alguém faz troça do Adão por morder a chuva, Sílvio, o pai (que não é biológico, esclarece Violeta) responde com orgulho que o cão tem uma natureza poética. Violeta não sabe muito bem o que isso quer dizer, mas vai logo adiantando que, se significar que Adão não é bom da cabeça, concorda plenamente! Mas, como acha que os outros devem fazer aquilo que os deixa felizes, se o irmão mais velho gosta de comer gotas da chuva, por ela tudo bem.


Da família fazem ainda parte a mãe Margarida, Pi, a irmã adolescente e o Zé, que também é irmão deles, mas não é um cão. É um rapaz de 11 anos, que cuida dela e de Adão. A relação de grande cumplicidade entre os três intui-se. Zé leva-os a passear pelas ruas de Campo de Ourique, joga futebol com eles e, aos sábados de manhã, leva-os à pastelaria da esquina, compra-lhes biscoitos e deixa-os comê-los às escondidas, sem os pais saberem. 


Sem qualquer esforço, cedo se adivinha o importante papel que o elemento mais novo da família assume na vida dos dois. Violeta quer que o leitor o conheça bem e presenteia-nos com uma lista de algumas coisas que o Zé adora:
- Devorar biscoitos de aveia.
- Plantar flores no nosso jardim com o pai.
- Tocar flauta.
- Folhear as brochuras das viagens que a mãe leva para casa.
- Jogar como guarda-redes na sua equipa de futebol.
- Desenhar borboletas com cores brilhantes.
Na verdade, o Zé gosta de qualquer coisa que tenha asas. Às vezes sonha que é um pássaro. E às vezes corre pelo jardim com os braços no ar - uma águia a sobrevoar Portugal.


Um dia, o Zé deixou de ter vontade de fazer qualquer uma destas coisas. O rapaz alegre que conheciam cedeu lugar a um outro bem diferente, capaz de gestos e atitudes irreconhecíveis. Os primeiros sinais pareciam ser perceptíveis apenas por Violeta e Adão, já que o Zé teimava em ocultá-los. Preocupados e tristes, escapavam-lhes as razões da abrupta mudança do rapaz.  


A vida lá em casa mudou. Começou a ficar estranha. Os pais estavam preocupados e mais atentos do que nunca, mas o Zé teimava em esconder as marcas do que o atormentava. Como se não bastasse,  os 12 anos de Adão pareciam começar a pesar-lhe. Deixou de subir as escadas. Os dias estavam difíceis. 


A solução para os problemas de Adão não chegou do veterinário que o tinha examinado, mas sim do acaso de os óculos da Pi lhe terem ido parar ao focinho. Com a visão recuperada e disposto a tudo fazer pelo irmão Zé, Adão foi determinante na solução do problema vivido pelo pequeno.
Contada com elevada subtileza, a história aprisiona o leitor pela forma como aborda um tema tão difícil, ao mesmo tempo que revela a intensidade e a riqueza do perfil psicológico das personagens que habitam a pequena casa branca. 


Recentemente editado pela Porto Editora, O cão que mordeu a chuva é um livro belo, tanto nas palavras eleitas por Zimler como nas ilustrações de Mestre Pomar. O formato grande e o design, com a assinatura de Henrique Cayatte, contribuem igualmente para que o leitor sinta ter na mão um livro único.  Para ler em família, para reflectir sobre muita e tanta coisa. Acima de tudo, para ler aos meninos que não têm a sorte de ter um qualquer Adão. Com ou sem óculos. 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888. Hoje, apetece-nos lembrá-lo com a criançada. Abrimos um livro em que mexemos muitas vezes,  Poesia de Fernando Pessoa Para Todos, seleccionada por José António Gomes e ilustrada por António Modesto.  




Poema Pial


Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM,
Para quem  mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só uma vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias


Fernando Pessoa