terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O Jardim da Minha Avó

 













O Jardim da Minha Avó | Jordan Scott e Sydney Smith | Fábula


Eu Falo Como Um Rio, de que falámos aquimarcou a primeira incursão de Jordan Scott pelo universo da literatura para os mais novos. E marcou, também, os seus leitores. Neste segundo livro, o poeta canadiano regressa ao registo autobiográfico e às memórias da infância, evocando os dias passados na companhia da avó e a ligação única que mantinham. As ilustrações voltam a ficar por conta de Smith que, por entre aguarelas e guaches, manchas e os habituais traços impressionistas, nos mostra, de forma ímpar, o amor e os laços que unem estes dois seres. O resultado é mais uma deslumbrante e preciosa história que os leitores agradecem.






















No inicio do livro, um texto simples e poético relata-nos a história que vamos ver distendida ao longo das páginas. Ficamos a saber que a avó nasceu na Polónia e que, juntamente com a família, sofreu muito durante a Segunda Guerra Mundial. Que no pós-guerra emigrara  para o Canadá, passando a morar num antigo galinheiro atrás de um moinho de enxofre junto à auto-estrada. Intuímos a dureza da vida desta mulher que mal falava inglês. A comunicação entre o pequeno e a sua Baba era, sobretudo, feita de gestos, toques e risos. 






















O texto introdutório não inibe o leitor de se surpreender e envolver no amor que liga avó e neto. É uma leitura feita de pausas e de silêncios. A primeira imagem da Baba é marcante. Uma figura frágil e curvada contrasta com os raios de sol que a iluminam e com a força que intuímos nas pessoas a quem a vida raramente sorri. A indumentária simples revela alguém que passou ao lado das coisas supérfluas da vida.
















As rotinas são elencadas. Todas as manhãs, o pai deixa-o em casa da avó, percorrendo uma estrada onde as montanhas se assemelham a barrigas de baleias. A cozinha é o ponto de encontro. É lá que está a sua Baba murmurando baixinho como uma noite povoada de insectos, enquanto lhe prepara o pequeno-almoço. Este é sempre igual, mas numa tigela tão grande e farta que o rapaz podia perder-se lá dentro. A casa está, invariavelmente, a abarrotar de comida. Vem tudo da horta do jardim que a avó cultiva. Há frascos de picles na casa de banho, alhos pendurados no chuveiro, beterrabas na sapateira, tomates na varanda, cenouras na cadeira de baloiço, maçãs aos pés da cama.  A explicação chega pela boca da mãe do rapaz. Tudo se deve ao facto de a avó ter passado muita fome. Porque a comida escasseia quando os homens fazem a guerra.





















O rapaz come e a avó observa-o. Se ele deixa cair algum bocadinho de comida, ela apanha-o, dá-lhe um beijo e volta a colocá-lo no prato. Só os que já passaram muita fome conhecem o verdadeiro significado do desperdício. Falam pouco, claro.  A avó aponta, ele acena. Ela toca-lhe, evidenciando toda a ternura que um gesto pode conter. Sorriem. Afinal, o amor não precisa de palavras para se manifestar. 

No caminho para a escola, sobretudo em dias de chuva, o percurso faz-se vagarosamente. É o tempo de a avó procurar minhocas. No bolso tem sempre um frasco de vidro cheio de terra onde guarda as que encontra. É um ritual que ambos respeitam. Ajoelhada  na terra, é aí que espalha as minhocas e as cobre de terra. No dia em que lhe pergunta porque faz aquilo, ela molha o dedo na chuva e percorre-lhe as linhas da mão. 






















O ritual manteve-se até ao dia em que a avó deixou a sua casa-galinheiro e foi viver com eles. No mesmo sítio há agora um prédio enorme e a horta do jardim, onde havia tanto para cheirar e para comer, transformou-se numa selva. O tempo é outro. Tudo se inverte. Agora é o pai quem o leva à escola. É ele quem leva o pequeno-almoço à avó. Quem beija os bocadinhos de comida que ela, por vezes, deixa cair. Uma sucessão de imagens, sem palavras, espelham como todo o amor recebido é agora devolvido pelo neto. Um amor alicerçado em silêncios e cumplicidades. Sem barreiras de qualquer espécie.

Continua a saber o que faz a sua Baba feliz e semeia um tomateiro num pequeno vaso que coloca na janela do quarto dela. Duvida se será bem sucedido,  se algo nascerá dali. Mas quando ela lhe passa os dedos pelas linhas da mão, lembra-se. Está a chover. Vai para a rua e apanha todas as minhocas que encontra. 






















Scott confessa que ainda hoje o faz. Os seus filhos também.  Sabe que o que avó lhe ensinou é que, ao cavarem a terra, as minhocas ajudam a aumentar a água e o ar que penetram no solo e fornecem nutrientes. Sem filtros, esta é uma sublime ode ao amor entre avós e netos. Em tempo de guerra, este é um livro que diz muito sobre as vidas que ela maltrata. Lembrando-nos o pouco que os homens aprendem com os erros do passado.


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