quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O Que Nos Torna Humanos. Livros que folhearam 2024
























O que nos torna humanos | Victor D. O. Santos e Anna Forlati | Fábula


Poucos saberão que vivemos a "Década Internacional das Línguas Indígenas", declarada pela ONU em 2022 com o propósito de preservar, revitalizar e divulgar as línguas indígenas, muitas das quais correm o risco de desaparecer. Este livro, traduzido em mais de 20 línguas e adoptado como livro oficial da Década Internacional das Línguas Indígenas pela UNESCO, é uma preciosa homenagem à língua e a todos os povos que a criaram. Um valioso testemunho artístico do que podemos considerar as " raízes da humanidade".  























Celebrando a língua em todas as suas vertentes, este é um livro lugar que, rapidamente, se transforma em ponto de encontro para leitores de todas as idades. As frases curtas e poéticas lançam o enigma. O diálogo direto com o leitor, nesta espécie de "adivinha quem eu sou", confere-lhe a intensidade necessária para nos envolver avidamente na descoberta do mistério. Uma avidez só refreada pela soberba beleza das ilustrações, que nos faz parar a cada dupla página para olhar demoradamente e reflectir.






















A cada página somos desafiados para a descoberta do enigma, mas também ficamos a saber um pouco mais de quem se vai apresentando, falando diretamente com e para o leitor. Talvez este não descodifique o enigma sozinho. Mas isso não lhe retira o prazer da leitura, do jogo que ambos já iniciaram. A revelação chega no final do livro. Num lugar onde sentimos que todos pertencemos.



Numa nota final aos leitores, os autores dizem-nos que das cerca de 7164 línguas vivas actualmente, se estima que, pelo menos metade se extinga até ao ano de 2100. E quando uma língua morre, também uma cultura pode morrer com ela. 

A dupla de autores  já se estreara a trabalhar em conjunto com My Dad, My Rock, um livro que gostaríamos muito de ver por cá. Aqui volta a encontrar-se, presenteando-nos com um livro que é, simultaneamente, casa e abrigo para todos os que acreditam que a união em torno da diversidade é a nossa grande riqueza  e o que os torna mais fortes. Forlati escolheu pintar a poesia das palavras de Santos com uma paleta onde parece verter toda a nostalgia do tempo em que tudo começou. Os tons terra ou tons raízes predominam e a beleza de cada dupla página passa-nos à frente de forma estonteante, fazendo-nos querer apanhar boleia.  E, de alguma forma, contribuir para a preservação de tamanho património.


















De Forlati já tínhamos falado aqui, a propósito desse livro incrível que é  Le Renard et L'Aviateur. Dissemos como nos impressiona a beleza extraordinária de que sempre se reveste o seu trabalho, o seu traço realista e de como as suas cores e formas abraçam e envolvem poeticamente os textos. Aqui não é excepção, dando o seu contributo para um livro único e marcante, onde o leitor vai querer habitar algum tempo. Uma das nossas escolhas em 2024.



sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Transparente. Livros que folhearam 2024

 





















Transparente | Mariana Rio | Livros Horizonte


Transparente marca a primeira incursão de Mariana Rio pelo universo da escrita. Com um percurso brilhante na ilustração, vários livros, prémios e distinções no currículo, Rio vem construindo, ao longo da última década, uma identidade e um mundo próprios. A conquista de um lugar no panorama da ilustração nacional e internacional está assegurada. Dona de um vocabulário gráfico inconfundível, reconhecemos-lhe o traço fino e minucioso, as paletas de cores fortes, a incessante  busca pelos detalhes e por uma certa perfeição imperfeita. Somos fãs do seu trabalho desde a primeira hora e, hoje como ontem,  continuamos a encantar-nos com a sua criatividade.   Descortinamos-lhe sempre uma certa inocência de criança que a mulher parece querer guardar. A autoria plena dos seus livros não só se adivinhava como se desejava. Esta é uma estreia preciosa e merecedora de aplausos.



       

Sou um explorador da imaginação. Gosto de sonhar acordado e de viajar pelos meus pensamentos.                                                

O começo de um livro é precioso e, tal como Maria Gabriela Llansol, Rio parece saber isso. Prende o leitor logo nas primeiras frases desta história sobre a temática intemporal da amizade. Uma temática que acaba por se desdobrar ao longo das páginas. Porque como é seu hábito, a autora conduz-nos  por várias camadas de leitura, transportando-nos para um caminho bem mais abrangente do que, eventualmente, o leitor esperaria. Amizade, autoconhecimento, sonho, realidade, mistério... a diferença, o outro...uma certa ode à vida saudável e sustentável... bem podemos escolher a árvore a que queremos trepar para nos deitarmos a pensar no tanto que este livro contém.
























O sonhador protagonista, nas suas deambulações, encontra uma floresta selvagem, repleta de vegetação, e por lá decide ficar. Há por ali toda um nova vida e ele não hesita em explorá-la. Descobre insectos enormes e flores monumentais, passa a alimentar-se de frutos, folhas, raízes e sementes, dá mergulhos no ribeiro, trepa às árvores em busca de lugares perfeitos para se deitar a pensar. Como amante e estudante da natureza, constrói o seu abrigo-laboratório neste pedaço de paraíso. Tudo o que precisa encontra-se ali. 

Um dia, tem um encontro inesperado com um ser bem diferente dele. Um ser transparente e capaz de se metamorfosear. Fica assustado. Porque, num primeiro momento, tudo o que é diferente pode causar medo. Até então, aquela paisagem era só sua! O tempo foi-se gastando e o nosso sonhador envelhecendo. Os seus pensamentos tornaram-se mais complexos e o  conhecimento de si próprio e do que o rodeava apurou-se. O reencontro com o outro já não o atemoriza. Agora, também ele consegue ser transparente. Porque o caminho de construção da amizade passa, necessariamente, pelo conhecimento de nós mesmos. Só assim estamos aptos a aceitar e a conhecer o outro e as suas diferenças. É nessa transparência que todos nos devíamos encontrar.

 























À semelhança do protagonista, acreditamos que Rio é uma exploradora da imaginação e que no seu abrigo-laboratório continuará a sonhar acordada.  Que das viagens pelos seus pensamentos de menina mulher, continuarão a surgir livros polvilhados de poesia, tanto nas imagens como nas palavras. Este é um livro poético, delicado e capaz de despertar a imaginação de leitores de todas as idades.  Uma das nossas escolhas em 2024.