Sim, coleccionamos Capuchinhos. Vermelhos, verdes, cinzentos, amarelos... São muitos e não caberiam todos numa foto, mas partilhamo-los todos os dias na Casa dos Hipopómatos. Agora acrescentámos a versão portuguesa de Um Capuchinho Vermelho, de Marjolaine Leray, recentemente editada pela Orfeu Negro.
Um pequeno livro, a dois tons, onde os criativos e geniais desenhos, em jeito de rabiscos, metem frente a frente um lobo alto e angular e um pequeno capuchinho que mais parece feito de uma linha só. Vislumbramos-lhe uns palititos como pernas e braços. As feições são modeladas por um simples traço no lugar do nariz.
Ui, que personalidade! Esta vai dar luta!
Apesar da desproporção, uma simples interjeição é suficiente para o leitor perceber que o lobo tem pela frente um osso duro de roer. Aqui não há lamechices, medos ou justificações. A história existe há tempo suficiente para que ambas as personagens saibam ao que vão.
Não há concessões. Sim, sabemos que vai para casa da avó, mas esta não chega sequer a ser chamada à história. Capuchinho chega e sobra para o Lobo. Este não perde tempo e anuncia cedo ao que vai. A colocação do guardanapo à volta do pescoço é elucidativa das suas intenções. A sarcástica interrogação de Capuchinho deixa adivinhar a toada de humor que caracteriza a história de Leray.
Vamos comer?
O minimalismo dos desenhos estende-se ao texto. Os diálogos são curtos e directos. O seu a seu dono: as falas do lobo são a preto e tudo o que sai da boca do capuchinho, sai a vermelho.
A partir daqui, o diálogo assenta na estrutura tradicional, mas não a segue. Os olhos grandes, os dentes... Capuchinho não cai na esparrela. Não pergunta, constata!
Oh, quanto atrevimento!
E quando o tonto lobo lança mão da velha e gasta resposta "são para te comer melhor", segue-se o desconcertante não.
Capuchinho sabia ao que ia. Entrou na história munida de tudo o que precisava. Tanto e tão pouco. Menina inteligente. A esta altura, as gargalhadas são mais que muitas. Miúdos e graúdos estão rendidos a este ser minúsculo que se apresenta quase sempre de perfil. Dizemos quase, porque na hora do não e da vitória a postura é outra.
Aqui, a intensidade ardilosa está do lado do Capuchinho. O leitor já não tem dúvidas, o lobo está no papo. A propósito, lembramo-nos sempre de uma das vezes que contámos a história aos nossos meninos. Chegados a este ponto, um deles, contagiado pela coragem da personagem, interrompeu-nos dirigindo-se ao lobo: Olha, vai mas é lavar os dentes!
Um final subversivo? Claro, o lobo foi completamente papado! Com uma subtileza e inteligência fabulosas, diga-se! Verdadeiramente hilariante, este é um dos livros de que mais gostamos dos muitos que conhecemos sobre o conto das mil e uma versões.
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