sexta-feira, 25 de março de 2016

Un Jardín



De manhã, o senhor Wakagi era apenas um homem. Mas à noite era todos os seres que habitavam o seu sonho.

                       

Um jardim, sempre o mesmo jardim, onde o senhor Wakagi era o coelho, a chuva e a raposa solitária.


Um livro imaginado e ilustrado por Isidro Ferrer, com texto  de María José Ferrada, que acaba de ser publicado pela editora A buen paso.


Belo, poético, único... como são todos os livros de Isidro Ferrer.


Partilhar com vocês esta pequena maravilha é a nossa forma de desejar Boa Páscoa & Boas Leituras. 

(Tradução Hipopómatos).

segunda-feira, 21 de março de 2016

Poesia, Essa Coisa de Todos os Dias.

O POLIGLOTA

Ele sabe palrar
Cacarejar
Arrulhar
Gorjear
Mugir
Vagir
Zunir 
Latir
Berrar
Miar
Bramar
Chiar
Uivar
Ladrar
Rosnar
Grunhir
Zumbir
Rugir
Balir
Zurrar
Coachar
Chilrear
Grasnar
Cricrilar
Crocitar
E também sabe
Falar
Seja a língua que for
Até já o contrataram
Para o jardim zoológico
Como tradutor.

Jorge Sousa Braga, in Poemas com Asas, Assírio & Alvim, 2001

Cristina Valadas 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa



Estamos em 1933. Na companhia da mãe e do irmão, Anna, uma menina judia de nove anos, deixa Berlim para se juntar ao pai que os aguarda em Zurique. Para trás, fica quase tudo. Na pouca bagagem que conseguem levar, cabe ainda a esperança de que aquele pesadelo termine em breve e que a vida possa ser retomada como a deixam. 
Bastaria que Hitler não ganhasse as eleições para que o pai, o famoso escritor e opositor do regime nazi, Alfred Kerr, retornasse à Alemanha.
O conhecimento dos factos subsequentes na Alemanha nazi dão ao leitor o amargo de boca de fazer a viagem, sabendo que ela não tem retorno. 
A história baseia-se na vida da autora, Judith Kerr, também conhecida por outros títulos de literatura infanto-juvenil como O Tigre Que Veio Tomar Chá. Publicado pela primeira vez em 1971 e considerado um clássico, Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa voltou a ser editado entre nós, em Setembro último, pela Booksmile.



Zurique será apenas a primeira paragem desta família, a quem estão  reservadas inúmeras dificuldades e que passa a lutar diariamente para se adaptar a realidades bem diferentes. Seguem-se Paris e Londres. Novos países, novas línguas, hábitos diversos a que se juntam os inevitáveis problemas da falta de dinheiro e de trabalho. 
Anna vive tudo isso, mas com a ingenuidade própria dos seus nove anos e o desconhecimento da dimensão dos acontecimentos que se vão sucedendo. Judeus, refugiados, são palavras que sabe que se lhes aplicam,  mas a menina não se sente diferente por isso. Só a iminência de ficar sozinha   com o irmão, a faz recear sentir-se mesmo uma refugiada. Seja onde for, se a família estiver junta isso só pode significar que estão em casa. O que não impede que tenha saudades de Berlim, dos brinquedos, da vida que era deles...

Max, o irmão, explicara-lhe que os nazis eram os que iam votar em Hitler e que os que votavam contra, como eles, eram os sozis.  Anna não sabia muito disso, mas sabia  que um dia, queria ser famosa como o pai! E que todas as pessoas famosas tinham passado por tempos terríveis (...Era óbvio que era preciso passar por uma infância difícil caso se pretendesse ser famoso.


Quando Hitler Roubou o Coelho-Cor-de-Rosa é um livro  que toca leitores de todas as idades. Pensamos em Anne Frank e nos diferentes desfechos das histórias de vida. Mas, acima de tudo, vinca-nos na memória as imagens que vemos todos os dias das milhares de Annas que são as refugiadas de hoje.

Carla Maia de Almeida que assina a tradução e o prefácio do livro, relembra que assistimos à maior vaga de refugiados desde o tempo da Segunda Guerra Mundial, citando uma notícia do jornal em que leu que "metade dos 60 milhões de deslocados e refugiados do mundo são crianças, a maioria com menos de onze anos" ( Público, 20/6/2015). 
Judith Kerr tem, hoje, 92 anos. Será que alguma vez lhe ocorreu que ainda teria tempo para voltar a ouvir tantas vezes a palavra "refugiados"? 

segunda-feira, 7 de março de 2016

O Que Aconteceu À Minha Irmã?


Eu já desconfiava há algum tempo. É com esta confissão da pequena protagonista, rodeada de fotografias e observando um álbum de família, que se inicia a história.


As suspeitas parecem transformar-se em certezas à medida que examina as fotografias que registam momentos passados: alguém tinha trocado a irmã por outra miúda muito parecida com ela!


Nada podia ser mais óbvio. A irmã nunca fora tão alta, aborrecida, irritantemente misteriosa, distante... Os sinais estão identificados e serão facilmente reconhecíveis por essa classe que dá pelo nome de "irmãos mais novos".


Simona Ciraolo brinda-nos com uma deliciosa e humorada abordagem da adolescência. A história, contada pela irmã mais nova, revela a perspectiva de quem olha para essas coisas do crescimentodesfrutando ainda da infância. Alguém que, da noite para o dia,  se vê obrigada a coabitar com  uma estranha. Sim, porque não esqueçamos que a "irmã foi trocada"!


Deixam de se partilhar brincadeiras, perdem-se cumplicidades, criam-se distâncias que se acentuam de cada vez que se fecha, de forma bem audível, a porta do quarto. Os interesses da nova irmã são agora bem diferentes e os segredinhos passam a existir mesmo "quando está longe o aniversário" da pequena... Não é de estranhar a sua convicção acerca da troca!


Hilariante, o momento em que a pequena decide procurar os amigos da irmã em busca de pistas... e percebe que algo de errado se passa com eles também! As deliciosas ilustrações, com destaque para os tons laranjas fortes nos momentos determinantes, vão revelando ao leitor os  pormenores de uma história contada de forma divertida e original. 


Simona Ciraolo já nos tinha encantado com o seu primeiro livro, Quero Um Abraço, também editado pela Orfeu Negro. Desta feita, presenteia-nos com uma magnífica história sobre crescimento, entrada na adolescência e relacionamento entre irmãos. Gostámos tanto que já esperamos pelo terceiro!