quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Eu Quero A Minha Cabeça. Nós também!


É contagiante! Também nós perdemos a cabeça com o último livro do António Jorge Gonçalves, editado pelo Pato Lógico! De forma singular e bela , o autor deslumbra-nos com uma  imaginativa abordagem de um tema tão caro aos mais pequenos: a teimosia.


Céu é uma menina que gosta muito de andar de baloiço. Um dia o pai chama-a TANTAS vezes... e ela responde-lhe tantas vezes NÃO... que lhe salta a cabeça


De cabeça perdida, também ela salta da árvore (que parece conservar o cérebro!) mas  não sabe o que fazer... Uma gaivota conta-lhe que o Vento lhe levara a cabeça para a montanha.


Em busca da cabeça perdida, a menina inicia uma memorável viagem. Um percurso estonteante que nos transporta para o mundo do fantástico. Página a página, Céu vai encontrando sucessivos  obstáculos e, IMAGINEM, diversas cabeças. Sim, não é assim tão invulgar perder a cabeça.


Cabeça-flor, cabeça-pedra, cabeça-nuvem... Céu experimenta-as todas. Cada cabeça tem as suas especificidades e qualidades... mas ela só quer a sua! 


Cada cabeça a seu dono. Céu, sempre acompanhada pela gaivota, persiste na escalada da gigantesca e misteriosa Montanha, que acaba por revelar um coração do tamanho do mundo.


A beleza das ilustrações surge como um prolongamento  natural da sua simplicidade e quase deixa o leitor sem fôlego, incutindo-lhe a vontade de descansar o olhar na imensidão de cada página. À medida que acompanhamos Céu e a gaivota na subida da montanha, sedimentamos a ideia de que a história seria incontável com outras cores. Os tons pictóricos utilizados acolhem uma vez mais o negro, a que António Jorge Gonçalves já nos habituou com uma mestria ímpar. Lembramos Uma Escuridão Bonita, Irmão Lobo e a recente Barriga da Baleia.

A descida da menina até ao coração da Montanha, as interpelações que lhe faz, o encontro com a sua cabeça... são momentos de intensa magia. Tão mágicos quanto a palavra que encontrará para sair dali e retornar a casa.


O Pato diz que este é um livro para crianças que gostam de andar de baloiço e adultos que perdem a cabeça por álbuns ilustrados. 
Arriscamos: também para adultos que gostam de andar de baloiço e crianças... Ontem emprestámos o livro a uma leitora de 90 anos e foi este o comentário que obtivemos: Não sei como reagirão as crianças, se ficarão de cabeça perdida, mas este é um livro para mim. É simplesmente belo! 


SIM. É simplesmente genial, acrescentamos nós!


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Gustave e a Eterna Biblioteca



Pierre Pratt é o autor deste magnífico e delicioso cartaz, que assinala a realização do 13º Encontro Eterna Biblioteca, a decorrer, em Sintra, amanhã e Sábado. Um evento que aplaudimos e que este ano reúne um verdadeiro elenco de luxo! Inês Fonseca Santos, Rita Taborda Duarte, André da Loba, João Paulo Cotrim... são apenas alguns dos nomes que marcam presença. Podem ver o programa aqui


Em simultâneo, será inaugurada no MU.SA, Museu de Artes de Sintra, uma exposição de ilustrações de Pierre Pratt, aberta ao público até Janeiro. Vamos? 





Porque somos fãs do seu trabalho, hoje não resistimos a partilhar um dos seus livros de que tanto gostamos, Gustave, com texto de Rémy Simard e edição de Les Editions de La Pastèque.


A história é narrada por  um pequeno rato, aparentemente salvo in extremis pela bravura do seu melhor amigo, Gustave. O gesto nobre e heróico do amigo, que enfrenta  sozinho um perigoso gato, permite-lhe a fuga mas deixa-lhe a solidão e a tristeza. Obviamente, Gustave perde o combate. 


Com um início marcante, as páginas seguintes parecem acolher a profunda tristeza e toda a  profusão de sentimentos que o terrível desaparecimento de Gustave provocam no pequeno narrador. Pratt utiliza uma paleta em que predominam o negro e o azul para nos transmitir a atmosfera sombria, marcada pela dor vivida pelo pequeno rato, que acaba deambulando  penosamente por entre paisagens múltiplas.


Para além da tristeza e da dor da perda do seu melhor amigo, o pequeno enfrenta ainda outros conflitos, retardando a hora de voltar para casa, onde encontrará uma mãe que avisara várias vezes sobre a existência do Gato e dos perigos que corriam se se afastassem muito de casa. Ignorar esses alertas tinha tido um preço demasiado elevado...



As ilustrações de Pratt fazem-nos acompanhar cada passo do pequeno solitário, ouvir cada pensamento...Os jogos de sombras e de cor, nomeadamente o feixe amarelo que ilumina o caminho até à porta, conferem-lhes uma genial dimensão, levando o leitor a demorar-se solidariamente em cada página.



A mãe parece já ter adivinhado o sucedido e delineado um plano para suavizar a dor do pequeno rato. E que plano!


Uma curiosa abordagem de uma temática sempre difícil,  a perda de um amigo, magnificamente ilustrada por Pierre Pratt. Como sempre que contemplamos o seu trabalho, primeiro olhamos.


Depois, apaixonamo-nos!


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O Meu Irmão Invisível



Basta que ponhas os óculos mágicos para descobrires o mundo imaginário e fantástico deste pequeno herói. Um rapaz invisível que se passeia pelas páginas do livro , conseguindo ver coisas que não estão ao alcance das outras crianças. 


Quando chegarem ao final, recomecem a leitura. Desta feita, sem os óculos. A história é, agora, outra. A de um rapaz que se julga invisível, mas não é.  Um livro, um par de óculos, duas histórias. O Meu Irmão Invisível revela-se um exercício de genuína criatividade e um magnífico exemplo do  muito que  se pode fazer com o objecto livro.  


Ana Pez joga com as cores e com algumas técnicas para conseguir o surpreendente resultado. A paleta utilizada assenta nas tonalidades laranja, azul e preta. Quando colocamos os óculos vermelhos, tudo o que está a laranja torna-se invisível e o azul cede lugar ao preto, mudando por completo as imagens que vemos. Algo extensível tanto às ilustrações como ao texto. 


Com os óculos mágicos, também o leitor vê coisas invisíveis... Ou se preferirem, bem diferentes das que na verdade existem nas páginas do livro. Numa viagem narrada pela irmã, o rapaz invisível passeia-se por entre animais ferozes, cruza-se com dragões e dinossáurios, convive com robôs e astronautas no espaço, desce às profundezas do mar... 

Mas quando deixamos os óculos de lado e olhamos para os lugares que o rapaz atravessou e as criaturas com que se cruzou, o espanto  agiganta-se. Um hipopómato mais pequeno exclamava enquanto ria "Oh!  Afinal  ele só esteve aqui?"


A palavra chave é invisível. Os mais pequenos, também eles mestres nesta arte, identificam-se de imediato com o pequeno herói. De óculos bem coladinhos à cara, seguem-no página a página num coro de exclamações. Que parece avolumar-se quando deixam os óculos de lado e partem para a segunda leitura...


O Meu Irmão Invisível, agora editado pela Orfeu Negro, foi distinguido com uma Menção Especial na Feira do Livro de Bolonha 2015, na categoria Opera Prima e com a Menção Honrosa do V Catálogo Iberoamericano de Ilustração. Para saberem mais sobre o livro e o seu projecto de concepção, a influência de Munari no trabalho da autora ou até as semelhanças do pequeno herói com com a figura de Mário Bros,  dêem um pulo até aqui, ao blogue PictureBook Makers.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A casa que voou

Um dia a casa foi-se embora.
Simplesmente ergueu-se do chão e levantou voo.


E se um dia a nossa casa voasse?  Talvez ficássemos tão perplexos e perdidos como o proprietário desta casa. Sem saber o que fazer, dada a inusitada  situação, decidiu pedir ajuda às entidades oficiais


Deambulou, desesperado, entre Câmara Municipal, Gabinete dos Desastres Naturais, Gabinete dos Perdidos e Achados, Gabinete de Facilitação e Segurança Civil... 


O resultado não é inesperado. Perante o estranho acontecimento, o homem não só não logrou qualquer ajuda dos cinzentos burocratas como ainda colheu algumas insólitas respostas. Obviamente, homem estava muito aborrecido


Entretanto, lá em cima, a sua casa andava às voltas como um pássaro.


Sem nada a perder, decidiu-se por conta própria. Enquanto ela voava , ele seguia-a, cá em baixo, no carro. A perseguição durou dia e noite, até que... Oh, metam-se no carro e vão atrás dela até à livraria mais próxima!  
Uma viagem com o doce sabor do retorno à infância. 


Já aqui o dissemos várias vezes, Davide Cali é dono de um senhor humor. Escrevemo-lo recentemente a propósito do livro Não Fiz os Trabalhos de Casa Porque... Mas também de uma fina sensibilidade com que sempre toca os seus leitores.  Muitas são as viagens em que apanhámos boleia: Eu Espero... Um Dia, Um Guarda-Chuva, Arturo, são apenas alguns exemplos.
Juntar no mesmo livro um texto de Cali e o humor e a inteligência das ilustrações de Catarina Sobral pressupõe estar condenado ao sucesso! Parabéns à Bruaá por apadrinhar a genial parceria!


No seu estilo inconfundível, a ilustradora conduz-nos numa dupla viagem, a da casa e a do dono. Em busca do desfecho desta louca aventura, acompanhamos cada movimento em terra e no ar. As cores alegres e vivas que usa para pintar a natureza contrastam,  de forma inteligente e divertida, com o cinzento das repartições públicas, povoadas de gente enfadonha e também ela cinzenta. Uma parafernália de elementos percorre o livro, fazendo-nos sorrir a cada página. Os quadros que revestem as paredes, os objectos da secção de Perdidos e Achados, a alternância da cor do laço do proprietário da casa... são apenas alguns apontamentos reveladores do humor e da inteligência que sempre coloca no seu trabalho. 


Sobral continua a apaixonar-nos com o seu traço de menina. Encantam-nos as suas casas, os carros, as árvores e os pássaros que com elas coabitam, e que sempre nos fazem voar para o universo da infância. À semelhança da caprichosa e inteligente casa que, um dia, se fartou da cidade e voou em busca de um lugar impregnado do perfume das figueiras e do cheiro a lenha queimada.