O Ponto Em Que Estamos | Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho | Planeta Tangerina
A dupla é de peso e o livro também. Aqui é tudo grande. Desde as coisas existentes na natureza às atrocidades cometidas pelos homens. A realidade é dura e o desafio que enfrentamos consiste em saber a velocidade e a proporção com que uns se irão sobrepor aos outros. Há por aqui um grito de alerta. De um planeta (Tangerina) para outro. Para gente de todas as idades.
Montanhas de saldos, oceanos de promoções, florestas de preços baixos...
Podíamos estar de passagem por um qualquer centro comercial, numa rua amontoada de lojas, numa de muitas superfícies atulhadas de inutilidades... mas estamos nas nossas vivências diárias, na rotina dos nossos dias e conseguimos ver tudo isto quando prestamos atenção. Falar de alterações climáticas já não é só urgente. É preciso actuar, mudar hábitos, renovar mentalidades, sensibilizar os mais novos. E os mais velhos. Este livro é um ponto de encontro obrigatório para todas as gerações.
Carros mais pesados que hipopómatos, perdão, que hipopótamos. Telemóveis de novíssima geração, enxames de carregadores avariados, baleias com desconto em cartão, vulcões de sapatos por estrear...
No
making of do livro, que podem ler no
site da editora, Isabel Minhós Martins conta-nos que a ideia deste livro a acompanhou durante algum tempo. Queria fazer a
comparação entre o tempo da natureza e o tempo das coisas humanas, aquelas que consumimos e se esfumam num instante. No dia em que viu um anúncio de uma conhecida marca de móveis que dizia apenas “Montanhas de saldos”, soube que o livro era para avançar.
A opção pelas coisas grandes existentes na natureza é tão genial quanto os incríveis jogos de palavras que lhe permite obter. O resultado é a gigantesca clareza com que se evidenciam os grandes males de que padece o nosso planeta. O desperdício ou o consumo desenfreado, por exemplo, são detectados, de imediato, neste pequeno grande livro onde há arquipélagos de roupa fora de moda, cardumes de bifes, iogurtes, abacates, cascatas de comida abandonada, rebanhos (e mais rebanhos) de embalagens, cordilheiras de copos descartáveis...
"O caos do nosso planeta neste livro até consegue ser bonito. As páginas parecem quadros do Miró".
Foi assim que um dos nossos meninos leitores se referiu às ilustrações de Bernardo P. Carvalho que, misturando desenho e colagem, nos conduz por este universo de entregas super-rápidas de forma empolgante e algo naïf. A cada página, os múltiplos detalhes vão revelando sinais de uma tragédia anunciada com que todos estamos familiarizados. Objetos abandonados e deixados ao acaso, lixo e iates que parecem nascer no mar, o negro do betão e os automóveis que aparentam multiplicar-se mais do que formigas, jatos e helicópteros que ocupam o lugar das estrelas no céu.
Na contracapa do livro, em jeito de antecipação, podemos ler: "Este talvez seja um livro triste - e as pessoas, sobretudo quando se trata de livros que também são para crianças, quase sempre preferem livros felizes, esperançosos".
Os autores concordam, a esperança é a coisa mais importante do mundo. Mas não deixam de concluir que "este só é um livre triste se continuar tudo na mesma. Se ninguém pestanejar, se ninguém se incomodar, se ninguém decidir mudar.
Porque a mudança é mais do que necessária e urgente, façam o favor de se incomodar! Façam-no com as crianças. Este é um livro que não se esquece, que se mantém aberto. Porque os arquipélagos de roupa fora de moda, os vulcões de sapatos ou as constelações de betão não nos saem da cabeça. Pode ser triste, pode ser duro, mas a verdade é que este é o ponto em que estamos.