sexta-feira, 24 de junho de 2022

Avó Z. Um verão com sabor a livros


 





















Avó Z | Daniel Gray-Barnett | Fábula


A mota, o capacete que segura na mão, os óculos, o casacão azul e o maravilhoso cabelo cor-de-laranja são características em evidência logo na capa do livro. O Z transporta-nos, num ápice, para o mundo fantástico de Zorro e de um cem número de heróis que fazem parte do nosso imaginário. Num primeiro olhar,  a figura imponente que contrasta com o pequeno miúdo vestido de preto parece revestir-se de alguma excentricidade. Mas, assim que entra na história, o leitor é levado a escolher um dos lados, conseguindo antecipar o forte processo de empatia que vai desenvolver com a avó Z.



O mundo do pequeno Alberto é preto e branco, marcado pela vulgar normalidade das coisas mesmo em dia de aniversário. O pequeno sonha todos os anos com um dia especial, mas os pais são pouco dados a confusões e a barulhos. Por outras palavras, ali não se fazem festas! Ao rapaz resta, apenas, a sua imaginação. De olhos fechados, formula o desejo de ter um bolo-de-três-chocolates-e-cereja. É nesse momento, qual fada-madrinha, que a avó Z faz a sua aparição.



Uma aparição feita em tons de laranja e azul, cores que transporta para o mundo do pequeno Alberto. Numa história a quatro tons, a vulgaridade e chatice dos dias cedem lugar à aventura e à magia que não parecem ter limites com esta avó. Apanhar dentes-de-leão ou bocas-de-lobo, subir ao Monte Encantado, brincar na Floresta da Meia-Noite, observar os pássaros, construir um palácio, lanchar com reis e rainhas, andar de montanha-russa ou descobrir novas espécies de escaravelhos não é para todos. E estes são apenas alguns exemplos do muito que se pode fazer na companhia da extraordinária avó Z.




A cereja no topo do bolo acaba por surgir, o que nos permite concluir que a avó Z não deixou nenhum dos desejos de Alberto por concretizar. Para espanto dos pais, o rapaz chega a casa num estado condicente com a sua idade e com a experiência de um dia de anos inesquecível. Para trás, fica a indumentária formal e cinzenta, onde apenas se permitia um pequeno detalhe de cor nas meias que usava.




Para o leitor, fica a quase certeza de que o mundo de Alberto não voltará a perder a cor. E um enorme desejo de que, em todas as famílias, possa haver uma avó Z ou um tio X, que transportem consigo a lembrança do que é ser criança e a liberdade e espontaneidade que lhe são inerentes. 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Uma Cor Apenas Sua. Um verão com sabor a livros


 






















Uma Cor Apenas Sua | Leo Lionni | Kalandraka


Para as crianças, os livros de Lionni não têm idade. Pouco importa que o seu pequeno camaleão conte já mais de quarenta anos. A genial e inspiradora simplicidade que percorre toda a sua obra fará sempre as delícias dos mais pequenos. Para nós, a chegada de mais um livro em portugês do autor de Frederico ou do Pequeno Azul e Pequeno Amarelo, não pode deixar de ser festejada.












O pequeno camaleão não acha grande piada ao facto de mudar permanentemente de cor. Percebe que é diferente de todos os outros com quem se vai cruzando. Os elefantes são cinzentos, os porcos cor-de-rosa... só ele não tem uma cor própria. Mudar de cor consoante o lugar onde possa estar não é algo que lhe agrade ou que pareça compreender. E, muito menos, o facto de isso só acontecer com ele. Definitivamente, não se sente bem na sua pele.

















Inconformado com a sua aparência, não desiste da ideia de  ter uma cor própria. Afinal,  como  todos os outros. É assim que, um dia, sentado na cauda de um tigre, toma a decisão que julga solucionar todos os seus problemas de identidade. Muda-se definitivamente para uma folha verde, garantindo que assim terá uma cor só sua. A solidão não é coisa que importe. Dali não  irá arredar pata, agora que é só verde.











Os mais pequenos simpatizam com ele. Chegam mesmo a esboçar alguma solidariedade pelo seu inconformismo e determinação. Mas, a mãe natureza acaba por trocar as voltas ao nosso protagonista.  Enquanto os pequenos leitores assistem ao decurso das estações do ano, assinaladas pela mudança de tom das folhas,  o camaleão volta a mudar de cor. O verde acaba por ceder lugar às tonalidades mais amarelecidas do outono, mais tarde substituídas pelos tons escuros do inverno... 










Os problemas de aceitação da sua aparência só parecem terminar quando encontra outro camaleão e percebe que não é o único diferente. Mais velho e mais sábio, o companheiro demonstra-lhe que, juntos, podem ultrapassar qualquer obstáculo, pouco importando a diversidade de cores que a natureza lhes queira emprestar. Bem ao jeito de Lionni, esta é uma fábula sempre actual, onde os dois camaleões vivem felizes para sempre. Atrevemo-nos a dizer que felizes serão, também, as crianças que os visitarem. Independentemente da sua cor de pele.


sábado, 4 de junho de 2022

Se Quiseres Voar. Um verão com sabor a livros



Se Quiseres Voar | Julie Fogliano e Christian Robinson | Fábula 


Se quiseres voar, dou-te o céu e o vento a soprarDou-te uma pena e uma avioneta, e a asa de uma borboleta.















É com esta desconcertante simplicidade que começa o livro assinado por uma dupla de peso, responsável pelo magnífico When's my Birthday? que muito gostaríamos de ver por cá. Sozinhos ou em parceria, cada um destes autores já tem lugar de destaque no universo da literatura infantil. 


Um olhar poético sobre o crescimento, dele emergindo todo o encantamento que envolve esta fase da vida.  Com uma toada alegre, texto e ilustrações harmonizam-se numa doce narrativa sobre as asas que damos às nossas crianças para explorarem o mundo à sua volta. Para descobrirem e  percorrerem o seu caminho que nós, pais, desejamos tenha sempre retorno ao ninho.


Duas cerejas-uma moeda para os desejos-uma piada-um tra-lá-lá-uma coçadela nas costas-uma escova de dentes-um beijinho-um ombro amigo... são  exemplos do pouco e do tanto que podem precisar. O narrador, representativo de todos os pais do mundo, antecipa as pequenas grandes coisas que a criança poderá desejar. É nesse vaticínio, repleto de sensibilidade e de humor, que reside grande parte do fascínio da narrativa. E que se completa pela autenticidade do que se oferece.
















À simplicidade poética do texto de Fogliano junta-se a do traço de Robinson, que com sobeja delicadeza transforma cada página num poema visual. Mas, o que sempre mais nos apraz no seu trabalho é a forma como usa o "seu traço de menino" para transformar cada livro numa ode à diversidade e à inclusão. Se Quiseres Voar não foge à regra, com um elenco atravessado por muitos e diversos tons de pele. Este é um livro que todos merecemos. Não percam o voo!