O Rapaz e o Gorila | Jackie Azúa Kramer e Cindy Berby | Orfeu Negro
Esta é uma história sobre a morte, o turbilhão de emoções e o sofrimento que ela pode causar numa criança que acaba de perder a mãe. Aparece, entre nós, no momento em que as histórias reais do sofrimento de um povo que nos é próximo nos atormentam. Todos os dias choramos com e pelas crianças que vemos no terrífico cenário de guerra. Repetimos até à exaustão que tudo isto era inimaginável. Mas, o que não se podia imaginar tornou-se realidade. O livro foi feito e publicado antes da guerra mas, quando o habitamos, torna-se impossível não pensar em todas as crianças que vão perder entes queridos e no sofrimento que isso lhes causará. Inimaginável, sim.
Um cenário sombrio e de profunda tristeza aguarda o leitor, tornando-o parte dos momentos finais de despedida e de homenagem à mãe do menino. Tanto no cemitério como em casa, a dor é visível. Nas posturas e nos silêncios. É um inicio sem palavras porque estes são momentos em que elas nada acrescentam. Visível é também a presença do gorila. A sua cor e tamanho parecem simbolizar a dimensão da tristeza do rapazinho. Primeiro, vemo-lo a uma distância considerável, mas, na página seguinte, ele já enche a casa. Como se pertencesse ali. Uma espécie de vigilante.
Percebemos a necessidade do menino em sair de casa. De procurar refúgio no jardim, um dos lugares da sua mãe. De ficar sozinho. É aqui que o diálogo se inicia.
- O jardim da tua mãe é muito bonito. Posso ajudar?
A sensibilidade e o carinho do suposto amigo imaginário não parecem ter tamanho. A conversa vai tecendo a proximidade com o menino. Na mesma proporção que o leitor vai conhecendo os estados de alma e as legítimas questões que lhe invadem a cabeça.
A figura do pai está sempre por perto, mas a ausência e o alheamento são notórios. É com o gorila que o menino fala. É com ele que vai fazendo o luto. Falar sobre as coisas ajuda-nos a encará-las. As perguntas são de peso. Como é que sabemos que uma pessoa morreu? Para onde é que foi a mamã? A minha mãe não pode voltar para casa? Porque é que ela teve de morrer?
O gorila parece ter o tempo todo do mundo. De forma sábia e serena, vai encontrando as respostas. Com a honestidade de que carecem as situações imutáveis. A morte não tem volta.
Quando é que vou sentir-me melhor? / Quando perceberes que ela ainda está contigo. / Como quando fazemos as bolachas da Mamã? / Sim, cada trinca é uma memória.
Lentamente, a criança parece ir descobrindo como lidar com os sentimentos até agora desconhecidos. A ajuda do gorila verte-se em pequenos gestos que lhe recordam o amor da mãe. Ao mesmo tempo que prepara a aproximação da criança ao pai e a sua saída de cena. É nesse conforto que o menino encontra alento para confessar ao pai que sente a falta da mamã. E trazê-lo de volta. É nesse amor que ambos encontram a força para o recomeço.
O avassalador turbilhão de sentimentos do menino é transmitido ao leitor tanto pelo curto e sábio texto como pelas aguarelas de Derby, a ilustradora de O Mundo Cá Dentro. As cores escolhidas, as pinceladas, os jogos de sombras são magnificamente cuidados e pensados. Este é um livro onde o tempo tem tempo. Onde até o leitor sabe esperar. É assim o luto. Sofrido e demorado. Algo que nenhuma criança deveria viver, mas que para muitas é real.