quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Um Bolo Para o Lanche. Queremos mais.


Se procuram uma história divertida, capaz de arrancar umas boas e sonoras gargalhadas à criançada e proporcionar momentos de boa disposição aí por casa, bateram à porta do livro certo. Um Bolo para o Lanche de Christian Voltz, recentemente editado pela Kalandraka, é uma hilariante receita para os dias que correm.



O senhor Anatole convidou a menina Blanche para lanchar e quer presenteá-la com um bolo. Não um bolo qualquer, porque quando se trata de coisas do coração, a ambição é sempre grande e não se quer menos que um MAGNÍFICO BOLO. Mas a cozinha não parece ser o forte do anfitrião e o nervosismo próprio de quem quer impressionar aquela que ocupa o seu coração também não ajuda.


Lá diz o provérbio que os amigos são para as ocasiões. E as receitas das mães são para as aflições, acrescentamos nós. Foi precisamente o que aconteceu  em casa do senhor Anatole, que acaba sendo surpreendido com a quantidade de amigos que vão chegando para ajudar na confecção do bolo para a menina Blanche. Todos se revelam grandes experts, chegando munidos de uma receita da mãe! E que receitas!


Os narizes prolongado, feitos de cabos de utensílios de madeira, o uso de arame e de objectos metálicos, os olhos redondos e uma parafernália de materiais reciclados... não deixam dúvidas ao leitor de que entrou no universo  mágico e único de Voltz. 
Onde Está? A Carícia da Borboleta, Eu Não Fui ou Ainda Nada são livros do autor francês publicados entre nós pela editora Kalandraka e que espelham bem a criatividade voltziana, altamente contagiosa para miúdos e graúdos.


Voltemos a casa do senhor Anatole. O que há para contar? Bom, que mesmo entre amigos, há coisas que são demais! 
Querem saber se  a menina Blanche sempre foi mimada com o bolo? Só podemos garantir que ela não se queixou. Mas, claro, quando mete assuntos de coração, nunca se sabe... Com um final tão hilariante quanto o decorrer da história, ficamos todos cheiinhos de vontade de meter o nariz em casa do senhor Anatole. E... de abrir aquele livro de receitas da mamã sapo... Bom apetite!


sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A Alma Perdida. Um Lugar Onde Queremos Morar


Olga Tokarczuk, Prémio Nobel da Literatura 2019, dispensa apresentações. Joanna Concejo,  autora e ilustradora,  é dona de uma obra apaixonante. Do encontro entre as duas autoras polacas nasceu  A Alma Perdida, um livro sublime.  

"Se alguém pudesse olhar para nós lá do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que correm apressadas, transpiradas e muito cansadas, e que atrás delas correm, atrasadas, as suas almas perdidas..."


  
A concisão do texto de Tokarczuk e a sua relação intrínseca com as maravilhosas imagens de Concejo são os pilares deste álbum ilustrado, uma delicada e singular reflexão sobre quem somos e a forma como vivemos. 
Concejo é um nome grande da ilustração, já com lugar reservado na história da LIJ. Com uma obra com algumas dezenas de livros, a autora polaca que gosta de desenhar a lápis e em papéis velhos, é responsável por nos guiar ao longo de algumas travessias que não se esquecem. Entre nós, são muitos os que se lembram de Fumo, um álbum em co-autoria com Antón Fortes, e cuja acção decorre num campo de concentração nazi.



As palavras de Tokarczuk contam que era uma vez um homem que trabalhava muito e depressa e que, há bastante tempo, deixara a sua alma algures longe de si. Sem alma, vivia até muito bem - dormia, comia, trabalhava, conduzia o automóvel e até jogava ténis. Mas, às vezes, tinha uma sensação estranha. 
Um dia, depois de sentir dificuldade em respirar, o homem deixou de saber quem era. Só mesmo o passaporte lhe dizia o nome. Depois de consultar uma sábia e velha médica, acabaria por tomar  a decisão que lhe mudou a vida. 
Encontrou uma casinha nos arredores da cidade, e, todos os dias, aí se sentava numa cadeira, à espera.

Numa viagem sem tempo, visitamos lugares do passado, refúgios de memórias, ilhas de solidão... A paz  e a nostalgia do tempo que a vida pode ter respiram-se dentro e fora do livro. Estes são lugares onde queremos morar. Onde desejamos ficar. Concejo concebeu-os com extrema beleza.
As ilustrações proporcionam ao leitor uma visita única, em que nada foi deixado ao acaso. A passagem dos dias, sem pressa ou correrias, é revelada por pequenos detalhes como o crescimento da barba e do cabelo. A observação do que nos rodeia, a envolvência com a natureza ou os animais que se passeiam pelas páginas como parte integrante do cenário chegam-nos através de deliciosos e subtis detalhes. Por aqui, a busca da identidade faz-se com a calma e a paciência que a vida merece. 


Estruturada de forma brilhante, a história faz-se a dois tempos e a dois tons. A lembrar, a espaços, um registo fotográfico esbatido pelo tempo,  o uso do papel quadriculado e a paleta de cores cumprem uma missão específica. Porque quando nos perdemos, o mundo todo nos parece a preto e branco, as cores quentes só vão surgindo na medida da proximidade da presença da alma aguardada. À medida que o encontro do homem e da sua alma (aparição de criança) se avizinha, a cor vai eclodindo fazendo antever o encontro consigo próprio.


Mais do que um livro filosófico, A Alma Perdida é um livro para leitores de todas as idades. O seu nascimento, em 2017,  não podia antever o momento que hoje vivemos. Mas a paz e a beleza que traz consigo não podiam chegar em momento mais oportuno. Não deixem de o visitar e demorem-se por lá um bom tempo. 
Jan, assim se chama o homem, é hoje dono de um jardim invejável de que gostaríamos de desfrutar todos os dias. As belas flores que ali habitam cresceram dos relógios que ele ali enterrou. Andamos tentados a experimentar. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Eu Vou Ser


Um livro, um jogo, um lugar onde se celebra o 30º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança. Para descobrir e voltar. Muitas vezes. É o último livro da dupla Letria, que volta a um formato que tanto encantou miúdos e graúdos. Quem não se lembra dos magníficos Estrambólicos e De Caras?

O texto de José Jorge Letria e as ilustrações de André Letria estendem-se por 16 páginas, cada uma dividida em três. E como 16 ao cubo é igual a 4096, este é o número de combinações possíveis que conseguimos alcançar. Brincar com todas elas, misturando-as vezes sem conta, é um desafio irresistível. Construir uma multiplicidade de surpreendentes personagens e jogar com os textos que as podem acompanhar, faz o deleite dos seus destinatários. 


Eu vou ser o aroma da aurora, uma ideia corajosa, um horizonte de silêncio e paz, a medida das coisas justas, um segredo tranquilo, um sonho de aventura... 
Eu Vou Ser é uma espécie de manual de sonhos, bem ao alcance das mãos pequenas. A clássica pergunta "O que vais ser quando fores grande?" adquire, aqui, uma outra dimensão. Neste lugar, todos podem ser o que quiserem. E, não menos importante, da forma que quiserem. Não é todos os dias que conseguimos ter cabeça de caracol ou cara de donut...


Tragam as crianças até cá e deixem-nas sonhar. E, já agora, sonhem com elas. Afinal de contas, quem não gostaria de ser um segredo tranquilo que em silêncio tudo diz como um sopro de magia?  Ou a medida das coisas justas que anuncia a felicidade como um feitiço por cumprir? Oum sonho de aventura que tudo faz dançar na rua como uma folha esvoaçando sem parar? Ou...