quinta-feira, 29 de maio de 2025

O Quarto


 













O Quarto | Susana Moreira Marques e Inês Viegas Oliveira | APCC


Há livros assim. Pequenos no formato, mas gigantes no que albergam. Heróis e heroínas, monstros, baleias e muitos outros animais, prédios, montanhas e outras coisas mais. O quarto é o lugar de todos os sonhos. Nele cabem todas as histórias. As que se ouvem, as que se constroem, as do mundo que se enxerga da janela.





 










Em discurso direto com o leitor, há por aqui toda uma narrativa poética que o convoca para o mundo das histórias e para as histórias do mundo. Entre espadas, vestidos e sapatos de cristal, este é o lugar onde a imaginação deambula sem limites nem horário. Onde se guardam todos os segredos. Um lugar que se desdobra em muitos e onde tu, pequeno leitor e habitante do teu quarto, tens toda a liberdade para escolher o que lá entra. Decides os momentos em que queres sol, chuva ou até neve. De fora, escolhes os sons de latidos, chilreares, buzinas, sirenes... passeias-te com cuidado para não pisar as barbas dos velhos que habitam as barrigas das baleias ou não acordar os monstros que dormem debaixo da tua cama. No teu quarto, pequeno habitante sonhador, és livre de escolher quem queres que te faça companhia e quais os mundos que queres calcorrear. 



 

Numa simbiose perfeita, às palavras de Susana Marques juntam-se as encantatórias ilustrações de Inês Viegas Oliveira. Como é seu cunho, as imagens difusas entrelaçam-se nos jogos de perspectivas, nos planos do perto e do longe, transportando-nos facilmente para o imaginário onde nos queremos perder e encontrar. É como se todos os sonhos tivessem as cores escolhidas pela paleta da ilustradora.






No final, expressa-se o que já se intuía ao longo da estadia no quarto.  Um convite ao pequeno leitor, para que se torne ele próprio o escritor das suas histórias. Das que constrói, reconstrói e vive no lugar encantado que é o seu quarto. Aquele onde conhece e redescobre os personagens das inúmeras histórias que lhe foram contadas e de tantas outras que já inventou. Onde faz viagens incríveis e amigos também. Onde, por vezes, se esconde de monstros e vilões, onde conhece e se aproxima de heróis e heroínas. No quarto não há proibições, só  brincadeira. É livre de sonhar e de ser quem quiser. De escolher as companhias e os amigos. Aqui não se quer invasões, mesmo que os intrusos sejam os irmãos. 





Um pequeno grande poema que nos fala do quarto, esse lugar único onde as crianças podem ser crianças. Não interessa se é grande ou pequeno, se tem porta ou cortina, se está mais cheio ou mais vazio...  aqui, mesmo na escuridão, há sempre uma estrela ou um pirilampo para as iluminar. É aqui que a imaginação ganha asas verdadeiras e os sonhos se tornam reais. Que as crianças comandam o tempo e respondem tantas vezes "já vou" e não vão. 
Tão belo pode ser o mundo das crianças, que nos faz ter vontade de não sair do quarto.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Um Ano Atarefado


 










Um Ano Atarefado | Leo Lionni | Kalandraka


Os livros de Leo Lionni não têm idade. Independentemente de terem sido escritos há vinte, cinquenta ou mais anos, continuam a encantar as crianças de hoje como fizeram com as anteriores gerações que os leram. A genial e inspiradora simplicidade que percorre toda a sua obra fará sempre as delícias dos mais pequenos. Os livros atingiram, há muito, o estatuto de clássicos e o autor perpetuou o seu lugar no panorama da literatura para os mais novos. A arte preencheu-lhe os sonhos desde criança, mas foi já com meio século de vida que abriu a porta a este universo. Da famosa viagem de comboio com os netos surgiu essa pérola que é  Pequeno Azul e o Pequeno Amarelo. Seguiram-se mais de 40 títulos, sempre aclamados pela crítica e amados pelos leitores.
























Lionni é o rei das fábulas. Não no sentido literal, impregnadas de moral, mas como janelas abertas para um mundo que os mais pequenos reconhecem e com que, facilmente, se identificam.  As suas histórias falam de amizade, partilha, tolerância, aceitação, solidariedade... Os pequenos animais que protagonizam as suas histórias preencheram a sua infância, já que era um coleccionador nato. Quando cresceu, transformou-os nos seus e nossos "heróis". Frederico é o exemplo perfeito. É o poeta que nos faz acreditar nas palavras e nos sonhos. Tal como Mateus, o artista que os pinta. 
























Em Um Ano Atarefado, o autor traz de volta os pequenos ratos a que deu vida de forma inconfundível. Desta feita, os protagonistas são Alice e Artur, dois ratitos gémeos com um enorme coração que se tornam amigos de uma árvore, de seu nome Flora. Uma amizade que vai crescendo e atravessa as quatro estações do ano. Os pequenos preocupam-se com Flora, com o facto de ela não se conseguir mover do lugar onde as suas raízes se agarram à terra e com as adversidades que o tempo lhe pode reservar: neve, chuva, vento, sol intenso.


A cada dupla página corresponde um mês do ano e os pequenos leitores vão observando as transformações de Flora. A queda das folhas, o surgimento dos primeiros rebentos, o nascimento das flores e dos frutos. Alice e Artur são visitas de todos os dias, atentos a todas as etapas da vida da amiga. Ela tranquiliza-os, falando-lhe dos benefícios que a mãe natureza dispensa ao seu crescimento e desenvolvimento. Só os humanos a preocupam. Flora divide com os amigos o seu medo do perigo de incêndios. Mas, no momento certo, os gémeos estão lá, revelando a generosidade e o espírito de ajuda que os amigos nunca recusam. Num cenário estático e de sóbria simplicidade, este é um livro onde os mais pequenos se sentem em casa e onde voltam vezes sem conta.