A Casa Azul | Phoebe Wahl | Orfeu Negro
Mudar de casa é, muitas vezes, motivo de angústia para os mais pequenos. Dependendo das circunstâncias, até mesmo para os adultos. As casas ou a falta delas, as deficientes condições de habitabilidade e a crise da habitação são, hoje, temas recorrentes com que as nossas crianças estão cada vez mais familiarizadas. Ter um amigo, colega ou mesmo familiar que teve de mudar de casa tornou-se coisa comum.
Leo e o pai vivem numa casa azul, junto ao abeto mais alto da rua. É uma casa velha que range e abana sempre que o vento a visita. A tinta vai descascando, o musgo nasce no telhado e a água pinga em vários sítios quando a chuva se mostra. Desconhecemos as razões que levam o senhorio a não fazer obras, mas sabemos que Leo não trocaria a sua casa azul por nenhuma outra.
Ele e o pai formam uma dupla imbatível. No inverno, fintam o frio inventando acolhedores esconderijos onde os livros são presença assídua. Fazem deliciosas tartes para se aquecer sempre que o velho aquecedor avaria e dançam ao som de "Spruce Springsteel". No verão, o jardim enche-se de framboesas e de tomates e Leo brinca no quintal até o sol se deitar.
Ultimamente, o bairro está diferente. Mais barulhento e movimentado por força das obras que o invadiram. Por todo o lado, nascem novos e enormes prédios. Às vezes, Leo fica à janela a observar as retroescavadoras e os camiões. Parecem-lhe brinquedos. Um dia, ouviu o pai dizer ao telefone que temia que a casa deles fosse a próxima. Mas Leo tinha certeza que o pai estava enganado. A casa azul seria deles para sempre.
Hoje, o pai foi buscá-lo à escola, mas não foram para casa. Compraram um gelado e foram até à praia. Foi aí que o pai lhe disse que tinha recebido uma carta do senhorio com a informação de que a casa azul tinha sido vendida e ia ser demolida. Leo não conseguia acreditar, como podiam simplesmente tirar-lhes a casa azul? Ficou zangado, muito zangado. Gritou, deu pontapés, fechou-se no quarto. Se não saísse de lá, nunca deitariam a casa abaixo. O pai explicou-lhe que não estava sozinho. Também ele estava zangado. Por isso, dançaram, bateram com os pés e enfureceram-se juntos.
A mudança era inevitável. Os caixotes começaram a encher-se com os seus objetos familiares. A casa azul esvaziava-se, as paredes desnudavam-se e Leo estava ainda mais triste. Ainda que tivessem de sair, o pai sugeriu que pintassem as paredes da casa azul, o que os deixou um pouco menos tristes. A nova casa também estava vazia e Leo, envolto na sua tristeza, odiava-a. O pai disse~lhe que não fazia mal.
Cedo percebemos ter entrado na casa de uma família monoparental. Comovemo-nos com o amor e a inteligência com que este pai pinta os dias. Admiramos a resiliência e a força com que contagia o filho nos momentos adversos da vida. Um dia, voltaram ao lugar da casa azul. Tiveram de fechar os olhos para a recordar. Decidiram pintar, também, as paredes da nova casa e a tristeza, lentamente, começou a ir embora. Pouco a pouco, a nova casa foi-se vestindo com os objetos familiares, o Leo e pai voltaram a fazer tartes, a dançar e a cantar. A nova casa tornava-se a casa deles. A casa azul, essa, seria deles para sempre. Mesmo que no seu lugar se veja, agora, um enorme prédio.
Gostamos muito do trabalho de Wahl e da coerência de que os seus livros sempre se revestem. As ilustrações feitas com diversos materiais, incluindo colagem, cativam pequenos e grandes leitores. A paleta forte e as texturas utilizadas, quer para os objetos, quer para as roupas dos dois protagonistas, acarretam-nos a sensação de estar a entrar numa verdadeira casa de família. Fica-nos a vontade de ser amigos do Leo e do pai. Gostamos de tudo na casa azul. Voltamos a gostar de tudo na nova casa. Dos discos de vinil, das referências implícitas à música e aos livros, do gato sempre presente e que também tem de se ajustar à nova morada, do amor e da cumplicidade entre pai e filho. Partilhamos a revolta e a injustiça, tornamo-nos fortes por eles. E ficamos com vontade de deixar a porta escancarada para que todos vocês possam entrar.