Jim Lamarche
sábado, 27 de outubro de 2018
sexta-feira, 26 de outubro de 2018
O Secador de Livros. Nunca antes inventado.
Esta semana, conhecemos a família Bronca! Vamos já confessando que a empatia foi grande. No inicio, até nos disseram que era uma família sem nada de especial, igual a tantas outras. Amante de praia, futebol e gelados. Mas à medida que fomos conhecendo cada elemento, fomos percebendo que esta é uma família única! Vivam os Bronca!
Avós, pais, 4 filhos, tia, prima, gato... a família é grande, mas unida. Herdeiros de certos conhecimentos dos antepassados, os Bronca são conversadores e praticantes de concursos de palavras inventadas. Xarapitonga! Spindotitá! Mas talvez o que os una mesmo seja o amor aos livros. Bem avisámos que a nossa empatia era grande!
O amor da família Bronca pelos livros era tão grande, tão forte, tão dedicado, tão obsessivo, tão alaropante (palavra inventada vencedora do concurso familiar nº 624/Série B), que acabou por se transformar num problema. Para os livros, bem entendido.
Não era caso para menos.
O avô Ernesto gostava de ler enquanto pescava.
A avó Anita, especialista em bolos, distraía-se com a leitura e deixava cair o livro dentro da massa.
Linda, a mãe, dormia sobre os livros que, claro, ficavam sempre babados.
As gémeas...
Não, não contamos mais porque sabemos que vocês vão querer conhecer esta hilariante família, onde até o gato Edgar gosta de livros.
A verdade é que, com tanto amor, os acidentes sucediam-se. Os livros ficavam
sujos,
imundos,
arranhados,
surrados,
vomitados,
molhados,
maltratados...
E, embora fosse tudo por amor, a vasta biblioteca da família, com cerca de duzentos anos, ia ficando cada vez mais ameaçada. A preocupação aumentava. Já não eram só os livros que sofriam. Os Bronca passaram a ser olhados de forma estranha pelos vizinhos, os bolos da avó Anita tornaram-se intragáveis, o bebé Nicolau, que um dia será menino, seguia o mau exemplo do pai e até Edgar ficou doente de tanto engolir traças e pó dos livros. Alguma coisa teria de ser feita!
sujos,
imundos,
arranhados,
surrados,
vomitados,
molhados,
maltratados...
E, embora fosse tudo por amor, a vasta biblioteca da família, com cerca de duzentos anos, ia ficando cada vez mais ameaçada. A preocupação aumentava. Já não eram só os livros que sofriam. Os Bronca passaram a ser olhados de forma estranha pelos vizinhos, os bolos da avó Anita tornaram-se intragáveis, o bebé Nicolau, que um dia será menino, seguia o mau exemplo do pai e até Edgar ficou doente de tanto engolir traças e pó dos livros. Alguma coisa teria de ser feita!
É nestas alturas que surgem as grandes ideias! E os Bronca, mais unidos do que nunca, decidiram construir o nunca antes inventado Lavador de Livros! Uma máquina maravilhosa, com um invejável painel de controle! Entrada de honra para heróis literários, Prémios Nobel da Literatura, Exterminador implacável de traças... são apenas alguns exemplos. Mas até as ideias mais brilhantes carecem de ser aperfeiçoadas e a família constatou isso mesmo quando os livros sairam da máquina. Estavam limpíssimos, como novos, mas... todos baralhados! Alice no País da Montanha Mágica! Que grande bronca!
Nada que o nunca antes inventado Secador de Livros não tenha solucionado! Quando uma família como os Bronca se une na adversidade, o impossível não existe.
O Secador de Livros, editado pela Caminho, com texto de Carla Maia de Almeida e ilustrações de Sebastião Peixoto, é um livro sobre livros, mas também sobre a família, tema recorrente na obra da escritora. Sobre os seus últimos livro, podem ler aqui e aqui. Falando do livro, em entrevista à TSF, Maia de Almeida revelou que todas as personagens foram inspiradas e remetem para figuras de conhecidos escritores. As gémeas Emília e Carlota Bronca, por exemplo, evocam as célebres irmãs Emily e Charlotte Brontë, a prima Patrícia Bronca, inventora da fórmula final do Secador de Livros, remete para a escritora de thrillers e policiais Patricia Highsmith. O desafio não podia ser mais aliciante para os leitores mais crescidos. Descubram, descubram! Nós por aqui, apenas acrescentamos que o gato dos Bronca é preto e que a importância de se chamar Edgar não será à toa.
Depois das felizes parcerias da escritora com ilustradores como André Letria, António Jorge Gonçalves e Marta Monteiro, à toa também não parece ser a escolha de Sebastião Peixoto para ilustrar esta fantástica e divertida história. Num estilo a que já nos habituou, os Bronca não fogem à regra. Olhos redondos e pretos, narizes arrebitados e vermelhos como as rosetas, figuras esguias... são características comuns a todos os membros da família. O humor passeia-se a cada página e a intensidade das imagens é tal que dá vontade ao leitor de entrar no livro para dar uma mãozinha à família. Verdade seja dita, não imaginamos os Bronca nem a sua casa pintados com tons e formas diferentes.
Sim, a empatia é total! No dia a dia, a família Hipopómata, com os seus livros à mercê de mãos de todos os tamanhos, o que mais tem são livros babados, dentados, sujos, capas com dedadas, migalhas que se enfiam pelo meio das páginas... Não tivemos dúvidas de que o secador da família Bronca seria da maior utilidade para nós.
Há uma semana que nos instalámos em casa dos Bronca! Vivemos por lá. Não queremos sair! Façam-nos companhia, venham daí! Esta é, seguramente, uma das nossas escolhas em 2018.
sábado, 20 de outubro de 2018
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
Aqui Estamos Nós. Apontamentos para Viver no Planeta Terra
Muitas vezes nos apetece escrever, depois de entrar num dos seus livros, que Oliver Jeffers é um autor de outro planeta. Ainda a levitar, hoje, é ele quem nos chama à Terra. Aqui Estamos Nós é uma espécie de guia ilustrado-manual de boas vindas-kit de sobrevivência. Assumindo a sua condição de pai, Jeffers conversa com o filho, de dois meses de idade, dando-lhe as boas vindas e apresentando-lhe o lugar onde chegou.
Partindo da premissa de que há muito para ver e fazer aqui na Terra, inicia o filho e os leitores numa visita guiada. Uma viagem predominantemente visual que nos deslumbra pela genial simplicidade com que é construída, atento o seu primeiro destinatário. Mas não se deixem enganar, é para todas as idades.
A terra e o mar, a diversidade de pessoas e animais, o respeito e os cuidados a ter consigo e com o que o rodeia, o corpo, o tempo... A riqueza e a multiplicidade de factos e de detalhes que encontramos, os conselhos, as sugestões, as notas de humor, o respeito pela diversidade, a crença na humanidade desembocam a uma só voz na mesma reflexão: Nunca estamos sozinhos na terra.
Alegremente surpreendidos, aqui e além, por um estilo diferente do que estamos habituados, como é o caso da dupla página dedicada aos animais, algo estilizada e enciclopédica, as ilustrações e a própria paleta de cores escolhida encantam-nos a cada virar de página. Entre a imensidão azul do espaço e a Ponte de Brooklyn (bairro onde o autor reside), Jeffers ilustra o planeta de várias perspectivas e conta ao filho o que pode esperar e o que pode fazer por ele. Respeito, consideração e tolerância são valores herdados do pai do próprio Jeffers que, certamente, espera que norteiem a vida do filho.
- Há pessoas de todas as formas, tamanhos e cores. Podem parecer diferentes, fazer coisas e sons diferentes, mas não te deixes enganar, somos todos pessoas.
- Também há animais. Com formas, tamanhos e cores diferentes. Eles não falam, mas isso não quer dizer que não devamos tratá-los bem.
O humor nunca está ausente nos livros de Jeffers e este não é excepção. O leitor não consegue deixar de rir quando, por exemplo, o pai remete a conversa sobre o mar para um pouco mais tarde, para quando o bebé aprender a nadar. Ou quando um papagaio põe em causa a máxima de que os animais não falam. "Eu falo", diz a divertida criatura.
Vais descobrir montes de coisas sozinho. Só não te esqueças de deixar apontamentos para as outras pessoas.
Nós descobrimos esta paixão pelo trabalho de Oliver Jeffers, pela forma genial como ele ilustra a vida e usa pedaços dela. É esse apontamento que partilhamos com vocês.
segunda-feira, 15 de outubro de 2018
Matilde e o outro lado do espelho
Espelho meu, espelho meu... Não, esta não é uma história com madrastas e maçãs envenenadas. E talvez seja uma boa oportunidade para explicar às crianças que a vaidade não tem género. Narciso, a história que vem lá de trás, da mitologia grega, é a prova disso. Antes de ser flor, Narciso era um belo e deslumbrante jovem que um dia se apaixonou por si próprio ao ver a sua imagem espelhada na água do lago. Muitas foram as ninfas que suspiraram pelo seu amor, mas o coração do rapaz, por maldição ou não, só tinha um dono. Ele próprio. Tal como a flor, o narcisismo parece ter florescido, nunca mais abandonando a humanidade.
Vem tudo isto a propósito de um certo Senhor Narciso que se passeia pelas páginas de Matilde, o livro escrito por Luís Correia Carmelo e ilustrado por Mariachiara di Giorgio, com chancela da editora bruaá. A nossa personagem não terá herdado só o nome, já que, à semelhança do outro Narciso, nada na sua aparência era deixado ao acaso e não havia espelho que lhe escapasse. Imaginem, pois, a felicidade que sentiu quando, certo dia, se contemplou, maravilhado, no enorme vidro da Boutique Esmeralda, que abrira mesmo por baixo da sua casa. Ali sim, podia ver-se de alto a baixo. Desde os sapatos bem engraxados ao chapéu impecável, passando pelo fato engomado religiosamente e, claro, bengala com cabo de marfim. E como gostava do que via!
Ainda que não lhe interessasse o que estava do lado de lá , já que até se tratava de uma boutique de senhoras, parar na enorme montra e admirar a sua imagem reflectida, tornou-se um ritual. A que se seguia um inevitável sorriso, já que o que via o deixava sempre encantado. A ele e à menina Matilde que, no interior da loja, sentada atrás do balcão, passou a dar menos atenção às palavras cruzadas e mais ao seu elegante vizinho de cima.
O caso não era para menos. Todos os dias, se sentia fixamente olhada através do vidro e ainda obtinha aquele sorriso! A menina Matilde corava e derretia-se toda. Passou a aguardar aquele momento com o coração agitado.
Mas o amor também tira o sono. Alguns dias depois, Matilde ficou perturbada quando viu o vizinho pentear-se enquanto olhava para ela... não dormiu nessa noite. Mas no dia seguinte, quando o vizinho lhe sorriu, tirou o chapéu e ainda lhe mandou um beijinho, a menina Matilde focou nas nuvens e, desta vez, a noite foi para sonhar. O pior estava para vir, no dia em que Matilde pediu a uma amiga que ficasse na loja enquanto ia aos correios e, no regresso, se deparou com o vizinho "a mandar o beijinho" lá para dentro. Matilde não terá percebido que os beijinhos do Senhor Narciso eram para ele próprio mas, uma coisa é certa, a sua história tem um final bem diferente do da ninfa Eco quando se viu rejeitada pelo jovem Narciso. Sinais do tempo.
As ilustrações de Mariachiara di Giorgio são um deleite para os olhos de pequenos e grandes leitores. Já nos tínhamos apaixonado pelo trabalho da ilustradora quando o seu Profession Crocodile nos chegou às mãos (podem espreitar aqui). Parabéns à Bruaá por este feliz casamento!
sábado, 13 de outubro de 2018
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
Gigantescas pequenas coisas II
Dois em um. Depois do êxito de A Baleia, de que falámos aqui, a Orfeu Negro decidiu presentear os mais pequenos com uma edição portátil do livro de Benji Davies. Fácil de transportar, a caixa comporta o livro em formato pequeno e um puzzle de cubos que lhes permite recriar seis das ilustrações. Poder dar vida, através dos cubos, ao Noé, à sua amiga baleia, aos gatos... proporciona às crianças uma forma de se familiarizarem ainda mais com as personagens. Como diz um dos nossos meninos hipopómatos: Agora, eles podem sair do livro. E eu posso convidá-los para irem comigo a muitos lugares.
Ainda da Orfeu Negro, chegam A Viagem e A Sombra, dois livros com texto de Veronica Salinas e ilustrações com assinatura de Camilla Engman. Ambos têm o mesmo protagonista, um pequeno e ingénuo pato, e revelam temas commumente designados como difíceis para a infância.
A Sombra aborda uma velha e recorrente temática na literatura infantil: o escuro e os medos que lhe estão associados. Enquanto se delicia com um magnífico banho no lago, vê o sol a cintilar e usufrui do silêncio, o pequeno pato não dá conta do entardecer. O regresso a casa faz-se pelo meio da floresta e o escuro já se instalou. Tudo é assustador. Entre formas e ruídos, entre o que vê e o que imagina, o medo e o desespero tomam conta do pato. Felizmente, não são os únicos. Em jeito de fábula, o tema é tratado com uma boa dose de humor para o que muito contribuem as divertidas ilustrações de Engman.
Em A Viagem, é a mudança e a necessidade de adaptação a novos lugares e gentes que estão em causa. De mochila às costas, o pequeno pato parece perdido num lugar novo e estranho, onde, aparentemente, ninguém sabe quem ele é nem fala a mesma língua.
"Quem sou eu?" é a pergunta que faz a quem encontra. Nada que novos amigos e o reencontro consigo mesmo não ajudem a ultrapassar. E as crianças são, tantas vezes, a prova disso.
Com chancela do Planeta Tangerina, Eu Sou Eu Sei é um pequeno grande livro com texto de Ana Pessoa e ilustrações de Madalena Matoso.
Eu Li, Eu Ri, Eu Snif, Eu Nhec. É a linguagem do crescimento, que a um tempo todos experienciamos. Uma aprendizagem permanente, feita de conquistas de todos os dias, de pequenas e grandes coisas.
Eu Sou, Eu Sei, Eu Dou, Eu Rei. Passo a passo, vamos tocando o mundo, conhecendo-o e descobrindo-nos. Essa é a maravilhosa aventura de ser e crescer. Aqui, expressa como um poema ilustrado. As palavras de Pessoa e os desenhos de Matoso crescem juntos nesta espécie de ABC de quem chega ao mundo. Nhec, nhec, gostamos muito!
terça-feira, 9 de outubro de 2018
Gigantescas pequenas coisas I
Que bom é regressar de férias, olhar para os últimos meses do nosso mercado editorial e, em jeito de balanço, pensar que há um bom número de razões para os mais pequenos sorrirem.
São livros, senhores, são livros! E devem chamar a atenção de pais, professores e educadores porque são ferramentas maravilhosas para ajudar as nossas crianças a crescerem mais felizes.
Da Kalandraka continuam a chegar, sempre aos pares, os livros cartonados do mestre Eric Carle. De 10 Patinhos de Borracha, falámos aqui, quando, em 2014, a editora nos brindou com a chegada do livro em formato grande. Baseada na notícia de um naufrágio de uma carga de milhares de bonecos de borracha, Carle criou esta história que encanta miúdos e graúdos. Agora, chega o formato pequeno e cartonado, bem à medida das mãos pequeninas e até de uma ou outra dentada. Mas essa é também uma forma de leitura.
O segundo livro, A Aranha Muito Ocupada, é uma estreia. Ainda que muitos anos depois da sua publicação, os mais pequenos podem, agora, festejar a chegada da simpática aranha a Portugal. Eles e nós!
A aranha parece ser o mais novo habitante da quinta, para ali levada pelo vento. Os restantes animais não resistem a sociabilizar com ela, convidando-a para passear, brincar, comer... mas tecer uma teia não é tarefa fácil e a nossa aranha tem uma vida bem ocupada.
Os animais, a cadência repetitiva, as cores fortes e brilhantes são apenas alguns dos elementos da obra deste autor com que já nos familiarizámos. Mas, cada livro de Carle reveste-se invariavelmente de um elemento surpresa que o torna único aos olhos da criança. Neste caso, o fio de seda de que é feita a teia da aranha e a sua textura em relevo prendem não só os olhos, mas também os dedos dos pequenos leitores.
Todos diferentes, todos iguais. São assim os bebés do mundo. Mas, independentemente do lugar onde nasçam, raça ou etnia a que pertençam, todos têm algo em comum: dez dedos nas mãos, dez dedos nos pés.
Com frases curtas e rimadas, o texto de Mem Fox assemelha-se a um poema e é ilustrado de forma simples e magistral por Helen Oxenbury. É certo que a versão portuguesa não consegue manter, em absoluto, a mesma cadência que a original oferece, mas este continua a ser um livro delicioso que encanta pequenos e grandes leitores.
Em lugares diferentes, a um mesmo tempo, há dois bebés que nascem. Apesar das muitas diferenças, todos têm dez dedos nas mãos e dez dedos nos pés. A estrutura repetitiva cativa os mais pequenos para a contagem. Não só dos dedos como também do número de bebés que vai engrossando o grupo. Os bebés de Oxenbury, num estilo a que já nos habituou na sua vasta obra, cativam leitores de todas as idades. E, de certo modo, fazem-nos sempre lembrar o inesquecível livro de Jean Claverie e Michelle Nikly, A Arte do Penico. Dele falámos aqui.
A surpresa está guardada lá mais para o final do livro, apanhando desprevenidos miúdos e graúdos. Sem que o leitor suspeite, a história tem uma narradora especial... Já o "consumimos" muitas vezes desde que chegou e a reação dos meninos é, também ela, comum: "outra vez"!