terça-feira, 7 de julho de 2015

Finalmente o Verão







Sem interrupções nem paragens. Quando o abrimos, somos impelidos a lê-lo de fio a pavio. Devoramos cada página. Aguçadamente curiosos, enfiamo-nos pelas histórias, convictos de não querer perder pitada deste Verão. Definitivamente, instalamo-nos em Awago Beach.



É lá que Rose e os pais costumam passar as férias. Um ritual que se mantém desde sempre, conta a jovem protagonista de quem não sabemos a idade. Windy, ano e meio mais nova, é  a amiga e cúmplice de todos os verões.




Este anuncia-se o verão de todas as mudanças.


Finalmente o Verão é o quarto livro da colecção Dois Passos e Um Salto, editada pelo Planeta Tangerina. O primeiro a chegar de fora, com assinatura das Tamaki, duas primas nascidas no Canadá e descendentes de uma família japonesa. Sob a forma de novela gráfica, revela-se uma história intensa e sublime sobre o fim da infância e a entrada na adolescência.



De modo magistral, é a abordagem dicotómica entre passado e presente que vai pondo em evidência o processo de crescimento de Rose e a consequente turbulência interior que sempre o acompanha. O ponto de partida é dado pelas imagens iniciais, que quase apanham o leitor desprevenido. Rose não é mais a pequena criança que ali vemos voltar para casa ao colo do pai, depois de ter adormecido.


Para trás,  parecem ir ficando, igualmente, a inocência e a candura próprias da infância. Rose atravessa agora os conflitos e as inquietudes de uma recém-chegada à adolescência. Dentro de casa, o contexto dos dias é marcado pelas permanentes discussões dos pais, pela depressão e tristeza da mãe, pelo conflito latente entre ambas. 


Resta-lhe Windy, a amiga com quem, desde os cinco anos, partilha o tempo de férias. Apesar da curta diferença de idades, um muro parece começar a erguer-se entre as duas.  Ainda  que tentada pelo balouço ou pelas gomas que dividem, o processo de afirmação de Rose já está em curso e manifesta-se, por exemplo, na escolha de filmes de terror. Filmes para gente grande. Os mesmos que provocam horrores nocturnos a uma Windy ainda presa à infância e pouco motivada para emergir da liberdade de comportamento que ela lhe concede.


As sucessivas idas à loja local, sempre povoada por um grupo de jovens mais velhos, acabam por transformá-las  em espectadoras privilegiadas de alguns acontecimentos  marcantes  e acentuar ainda mais as diferenças entre as duas amigas. As angústias, as interrogações e até as paixonetas platónicas que pontuam a adolescência surgem no caminho de Rose.


Temas como a gravidez, o aborto, a sexualidade ou a adopção atravessam o Verão em Awago Beach. Rose cresce com eles, posicionando-se numa busca quotidiana da sua identidade. Há um tempo de inocência que não volta. Mas os acontecimentos ali vivenciados permitirão, certamente, um regresso a casa mais apaziguador.



Envolto num invejável palmarés de prémios,  é um livro arrebatador e fascinante. Entre muitos outros atributos, o formato de banda desenhada, a magnificência dos desenhos, os jogos de intensidade da cor azul, a utilização de uma linguagem com a qual os adolescentes facilmente se identificam, fazem de Finalmente o Verão um livro apelativo tanto para jovens como para adultos. Uma pedrada no charco da mediocridade que tantas vezes invade a literatura juvenil. 

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