terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A Baleia


O acontecimento é de monta! O britânico Benji Davies, autor do livro A Baleia, vencedor do Prémio Oscar's First Book 2014, faz a sua estreia em Portugal pela mão da editora Orfeu Negro.  

O livro é desconcertante e belo. Não só pela sensibilidade das temáticas abordadas, mas também pela forma encontrada pelo autor para o fazer. Tão importante como o que nos é contado é o que subentendemos. O que não está dito em momento algum, mas que o leitor depreende do princípio ao fim da leitura.


O Noé vive com o pai à beirinha do mar. Com o pai e seis gatos, que leitor algum resiste à tentação de localizar na fascinante casa e nas imediações. Uma espécie de jogo, logo no início do livro, que não faz esmorecer as primeiras interrogações.



O pai de Noé é pescador e sai para o trabalho de manhã bem cedo, só voltando depois de o escuro da noite chegar. O petiz, que não terá mais de cinco anos e que parece inseparável da sua touca,   fica entregue a si mesmo e aos gatos, os únicos seres que por ali vemos. É então que o leitor se afunda num turbilhão de sentimentos contraditórios, entre a noção de abandono e de solidão da pequena criança e a fantástica imagem de liberdade de que aquele parece usufruir na ilha.


Num dia tempestivo, Noé avista uma pequena baleia e, de imediato, sabe que tem de fazer alguma coisa para a salvar. O mar estaria certamente mais perto, mas a sua banheira confere-lhe outras garantias. Uma solução que parece agradar a ambas as partes.


A nova amiga, com quem pode agora partilhar a solidão dos dias, parece mostrar-se feliz com a proximidade e agradada com tudo o que ouve, desde a música às histórias do amigo. Este, por sua vez, não hesita em desfrutar cabalmente da companhia. Até porque sabe que a situação não será duradoura... O pai chegará a casa e ele teme a reacção.


O abrir da porta parece corresponder ao momento de viragem da história. Ao contrário do que Noé temia, o pai não se zanga. A imagem da baleia na banheira confere-lhe a verdadeira noção da solidão do filho e muito mudará na vida dos dois.


Ambos percorrem o caminho do mar para devolver a amiga baleia. Noé sabe que a viagem é tão inevitável quanto as saudades que vai ter dela. Mas esta não será uma viagem em vão, se atentarmos em tudo o que já ganhou. Aquele pai ausente, com ar distante e frio, semblante carregado que conhecemos no princípio da história,  cede, agora,  lugar a uma figura mais humana,  capaz de gestos de ternura e atenta ao filho, presente em todas as páginas do livro.


As ilustrações de Benji Davies são magníficas, levando-nos a entrar na ilha e a viver intensamente cada momento da história, cuja força emocional resulta, sobretudo, do que não se refere em momento algum, mas se adivinha. A interrogação que percorre pequenos e grandes leitores: E a mãe de Noé?


Um livro belo e intenso, polvilhado de algum humor e muita inteligência, que nos faz aguardar a chegada do próximo!


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