sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Urso Pequeno já fala português


As histórias são antigas cá por casa. Temos por elas um carinho especial. A estrutura simples e o vocabulário acessível fizeram com que o idioma nunca fosse barreira para as partilharmos com os mais novos. Não raro, funcionaram  simultaneamente como incentivo para uma maior familiaridade com o inglês. Mas, poder, finalmente, ler os livros de Urso Pequeno em português é motivo para festejar.


Em 1957, a dinamarquesa Else Holmelund Minarik publicava o primeiro de uma série de seis livros dedicados a este pequeno protagonista. Cinco seriam ilustrados por Maurice Sendak e é no âmbito da edição da obra do autor, que a Kalandraka os traz  agora para Portugal.
Adaptadas para televisão nos anos 90, as histórias de Urso Pequeno fizeram parte da infância de várias gerações, encantando pela simplicidade e doçura das suas narrativas. Características espelhadas, na perfeição, nas ilustrações de Sendak, que acabam transformando o leitor num profundo conhecedor do quotidiano da pequena personagem, com ela vivenciando uma relação de grande proximidade.
Recorrendo a um estilo inspirado nas gravuras antigas, o traço simples e elegante de Sendak transporta-nos para o
universo familiar em que se desenrola o dia a dia da personagem, passeia-nos por caminhos encantados, descreve-nos  aventuras e brincadeiras,  apresenta-nos familiares e amigos.

A humanização das personagens, a linguagem acessível, os diálogos curtos e de estrutura repetitiva, a descrição de situações comuns na vida dos mais pequenos operam uma imediata identificação com a figura do ingénuo e sonhador urso. 

                                                          
Com excepção de Um Beijo Para Urso Pequeno, os livros         dividem-se em quatro contos, harmoniosamente sequenciais, que acabam por unir-se, no final, num desafio vivo à memória dos pequenos leitores. Propícios a despoletar o tão conhecido "outra vez!", cada conto fornece detalhes e momentos de uma infância feliz onde,  de forma serena e tranquila, há lugar para a imaginação e para o sonho, mas também para as dúvidas e para a inquietude que a atravessam. 
A Galinha, o Pato, o Gato e o Mocho são os amigos de todos os dias. É com eles que partilha sonhos e aventuras, num cenário exterior que se assemelha a um bosque encantado.   Paralelamente, as histórias decorrem num ambiente familiar onde o afecto e o amor predominam. 




No primeiro livro da série,  destaca-se a figura materna, relevando-se o papel de mãe âncora, presente em todos os momentos da vida do pequeno urso. Em Pai Urso Está de Volta as quatro histórias convergem  para a figura do pai. O regresso a casa e as expectativas geradas pelo reencontro, o carinho dos abraços, o presente não esquecido... são alguns dos tópicos da abordagem  em torno de uma personagem que intuímos serena e sábia. Quando for grande quero ser como o meu pai é uma aspiração muito comum aos pequenos leitores, o que desperta desde logo a sua empatia. O resto fica por conta da imaginação e, no caso do nosso protagonista , ela consegue mesmo conduzi-lo a bordo de um grande barco, num oceano imenso e longínquo, onde se conseguem pescar enormes peixes e até mesmo sereias!


Gostava de olhar para todas aquelas coisas bonitas: os quadros, as flores da Avó, o boneco duende do Avô, que dava saltos dentro de um frasco. Num universo seguro como é o dos afectos, os avós também marcam presença. A magia dos pequenos momentos revela-se nas histórias que se contam, naquilo que se transmite, no respeito e no cuidado mútuos, nas cumplicidades, nas recordações... Na visita que faz aos avós, Urso Pequeno deleita-se a ouvir histórias vividas pela Mãe Ursa enquanto criança. Numa envolvência de amor incondicional, a memória de acontecimentos passados funciona como elo de ligação.



Num cenário natural,  carregado de grande realismo, Sendak utiliza cores suaves que acentuam o tom delicado que nos impregna os sentidos com as memórias de uma infância feliz. 



– Gosto mesmo deste desenho – disse o Urso Pequeno. – Olá, Galinha. Este desenho é para a Avó.
– Podes levá-lo?
– Claro – disse a Galinha.
A Avó ficou contente e disse:
– Este beijo é para o Urso Pequeno. – Podes levá-lo, Galinha?
– Com muito gosto. 
Assim se inicia a viagem de um beijo, que vai sendo transmitido de animal para animal, até chegar ao seu destinatário, o Urso Pequeno. A galinha passa ao sapo, que por sua vez passa ao gato... Pelo caminho, o itinerante beijo vai deixando ramificações, culminando mesmo num casamento muito especial. Uma história carregada de humor, capaz de provocar grandes doses de hilaridade nos mais pequenos.

























E é, também, arriscamos  dizer, a mais "sendakiana" de todas. Com efeito, há alguns detalhes  que nos lembram o lado mais irreverente do autor:
- O magnífico desenho que Urso Pequeno oferece à avó: um monstro.
- A habitual doçura da expressão das personagens que se esbate aqui e além, como é exemplo a da avó no momento em que recebe o desenho. De certa forma, invoca-nos uma avó mais próxima da do Capuchinho Vermelho. 
- O divertido jogo de escondidas  que Urso Pequeno enceta, alguns pormenores da festa de casamento onde se reúnem todas as personagens que atravessam os vários livros; o uso de uma só cor, o hilariante final. 


                                                         
Em Os Amigos de Urso Pequeno, no título original Little Bear's Friend, o verão é marcado por um notável acontecimento, o aparecimento de uma nova amiga. Desta feita, uma criança.  Emília e a sua boneca irão marcar o coração de Urso Pequeno e de todos os seus amigos. Um hino à amizade, que mais uma vez faz sobressair valores tão caros os mais pequenos. 

Uma história onde a tristeza da despedida é atenuada pela sabedoria materna. Afinal, aos amigos pode-se sempre escrever.



Avessos a rótulos, não queremos dizer que são obrigatórios. Mas depois de tanto esperarmos por eles e do encantamento que ainda hoje nos provocam, não deixaremos de ficar felizes por todas as crianças que podem, agora, desfrutar da companhia de Urso Pequeno

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