quinta-feira, 9 de abril de 2015

Beatrice Alemagna


Os seus livros colam-se às mãos com a mesma intensidade com que as histórias nos invadem a cabeça e aí passam a residir. Sempre que nos cruzamos com um, como aconteceu recentemente em Madrid, não resistimos a apossar-nos dele. Falamos dos livros de Beatrice Alemagna.


Los Cinco Desastres, no original I Cinque Malfatti, é um livro surpreendente e hilariante, onde, mais uma vez, as aparências sucumbem perante a essência. Ainda que esta se revele através  de seres imperfeitos e bastante trapalhões, como é timbre da autora.


Peculiar, algo trapalhão e semeado de belas imperfeições, assim é o universo de Beatrice Alemagna. Afinal, como a vida. 


Um mundo povoado de personagens que não só expõem as suas fragilidades como, com naturalidade, acabam por encontrar forma de lidar com elas. À semelhança das histórias, as figuras criadas por Alemagna exibem sempre algo de poeticamente real. 

Ilustração de Meu Amor, Bags of Books, 2010

Algo que nos faz regressar à infância e deambular pelos retalhos da memória que dela guardamos. 

Ilustração de Gisèle de Verre, Éditions du Seuil, 2002

Na sua maioria, as histórias de Alemagna caminham sob o mote da diferença. Ou melhor, das diferenças. É assim, por exemplo, em O Meu Amor ou em Gisèle de Verre, um dos nossos livros preferidos.

Gisèle de Verre, Éditions du Seuil, 2002


Gisèle  de Verre relata a magnífica história de uma menina que, tendo nascido de vidro e transparente, se determina a percorrer o seu próprio caminho, alheia ao preconceito.

Ilustração de Gisèle de Verre, Éditions du Seuil, 2002

A obra de Beatrice Alemagna parece estar sempre aberta aos mais fracos, mais desprotegidos, mais incompreendidos, mais pequenos... E é essa componente filosófica que a torna ainda mais encantadora.

Ilustração de Karl Ibou,  Éditions Autrement, 2008

A aceitação das diferenças ou a forma como moldamos a existência, assente nas nossas próprias fragilidades, confere-lhe ainda um pendor existencialista, onde acabamos por nos rever e encontrar.

Ilustração de Karl Ibou,  Éditions Autrement, 2008

Através de uma harmoniosa simbiose entre palavras e ilustrações de que sempre se revestem todos e cada um dos livros, o seu trabalho denota uma coerência e uma estética inconfundíveis.

Ilustração de Histoire Courte D'Une Goutte, Éditions Autrement, 2004

O livro que agora trouxemos não foge à regra. Esta casa, suficientemente periclitante para poder desabar em qualquer momento, é habitada por cinco desastres que nunca fizeram nada na vida. Nem têm qualquer vontade de fazer. Amiúde, discutem sobre qual dos cinco é o mais desastrado e isso diverte-os bastante.


A chegada de uma criatura sensacional, parece, contudo, indiciar uma mudança dos contornos da história. Por contraposição aos cinco desastres, é esta a descrição da dita  criatura: Era bello, liso, perfecto. Tenía la nariz en el lugar de la nariz, un hermoso cuerpo erguido, ni un agujero de más en la barriga, y una preciosa melena.


É fabuloso o final escolhido pela autora para os seus cinco desastres no momento em que o Senhor Perfeição, enfadado,  conclui que eles não servem mesmo para nada, que são um zero à esquerda. 


Apenas vos dizemos que, a esta altura, eles estão mais contentes do que nunca. E nós também. Porque é com naturalidade que assim ficamos, sempre que lemos um livro de Beatrice Alemagna.


 Ilustração de Un et Sept, Éditions du Seuil, 2001

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