quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O Primeiro País da Manhã


Escorrega = invenção rápida
Tabuada = invenção grande, cheia de números e de cruzes que não cabem na cabeça.
Estes são apenas dois dos exemplos da lista do Manel, um rapaz que adorava invenções, tendo o hábito de as agrupar e dividir.


Nós adoramos invenções e listas! Mas a do Manel é tão grande e diversificada que não caberia aqui. Nela constam, por exemplo:
Invenções às avessas
árvoresinventadas ao contrário, propositadamente para fugirem à lógica. 
Que outra razão encontram vocês para as árvores ficarem sem roupa precisamente quando o frio está a chegar? Bom, às vezes o Manel também pensa que o inventor podia ser um bocado distraído...



Invenções complicadasaquelas que parecem inventadas por mais de mil inventores e que levam o Manel a sentir um bando de formigas a atravessar-lhe a testa.  Mas isso é normal porque os grandes mistérios fazem comichão

Invenções que arrepiam:
A roupa nova no corpo, 
A água na cara, 
A mala da escola nas costas,
A manhã
... Só de se lembrar dela, o Manel ficava com a pele dos braços cheia de pontinhosUm dia havia de inventar uma invenção que acabasse com isso. 



Até porque o rapaz conhecia bem o culpado = objecto que acorda sempre milésimos de segundo antes de todas as pessoas, sem nunca se atrasar ou preferir sonhar durante mais uns minutos, e que ainda por cima se espreguiça de uma forma barulhenta, como se esticar os ossos produzisse um som muito fino e irrequieto. 



Mas de todas as invenções da lista do Manel, a nossa preferência vai para uma invenção que estava sempre longe da vista das pessoas e que só os pássaros tinham o privilégio de ver, o mundo. O rapaz acreditava que para o ver é preciso estar em cima de uma nuvem e olhar para baixo. Ou então ter um mapa. 
Mundo = invenção muito mal dividida, cheia de traços irregulares e desorganizados, uns pequenos e outros curvos, uns grandes e outros direitos. 


Apesar de toda a desigualdade, o Manel não sabia muito bem o que pensar sobre o inventor do mundo. Como não sabia qual era o seu país, tinha dúvidas sobre se ele seria um inventor solidário ou um inventor egoísta.


Já todos percebemos que, em matéria de invenções, o Manel era assim uma espécie de observador e estudioso do assunto. Não que alguma vez tivesse inventado alguma coisa. Talvez por isso,  a desigualdade do mundo deu-lhe a ideia. A de inventar o seu próprio país!


Ora, inventar um país não é fácil. Porque pensem bem, não é apenas o país. É preciso inventar: 
um nome para o país
uma bandeira para o país, (pela primeira vez, esteve quase a existir no mundo uma bandeira maior do que o próprio país), 
uma música para o país...
Depois de tudo isto, uma grande trabalheira ainda aguardava o Manel. Sim, porque para inventar um país verdadeiro como os outros que já estavam no mapa faltavam ainda umas invenções chatas e complexas que são inventadas por pessoas de gravata. Foi nessa altura que o Manel percebeu o motivo da dificuldade de inventar as leis.


Mas o Manel não é rapaz para desistir e nós garantimos que o seu país inventado é diferente de todos os outros países do mundo. Com leis diferentes. Com coisas diferentes. E com manhãs diferentes.  


Com texto de Ricardo Gonçalves Dias e ilustrações de Marta MadureiraO Primeiro País da Manhã foi distinguido com o Prémio Branquinho da Fonseca 2013. O autor diz que a ideia desta invenção lhe surgiu depois de ter lido a frase "O tempo não existe", num dos livros de Gonçalo M. Tavares. Que magnífica fonte de inspiração, acrescentamos nós!


Tecer elogios ao trabalho de Marta Madureira tornou-se já um lugar comum. As suas ilustrações reflectem, em regra, um inteligente e brilhante jogo entre desenhos, recortes, colagens, diferentes materiais... Neste caso, é através delas que imaginamos o mundo do Manel e adivinhamos  o movimento e o tempo da história. Encanta-nos a forma como parece reinventar a própria capacidade inventora. 


Voltamos ao país do Manel.  Para vos dar conta que a inauguração já teve lugar. Decorreu com pompa e circunstância, porque estas coisas dos  países exigem sempre muita solenidade. Claro está que, nesta distribuição nem sempre justa do mundo, um país novo como o do Manel ainda não é muito conhecido. Mas vale a pena explorá-lo. Até porque, o Manel está lá, à vossa espera.

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