terça-feira, 23 de setembro de 2014

As Regras do Verão


Depois de nos apaixonarmos pela capa, os olhos esgueiraram-se para a contracapa. Nela pode ler-se: Nunca quebres as regras. Sobretudo se não as compreendes. A nossa intuição leitora despoletou uma espécie de alarme. E se não as compreendêssemos?


Abrimo-lo. Folheámo-lo lenta, pausadamente. Os olhos demoraram-se uma eternidade em cada página. Os dedos associavam-se-lhes num ritual prolongado. Que se repetiu vezes sem conta.


Não soubemos logo se as tínhamos compreendido. Mas descobrimos uma regra que Shaun Tan não  quebra: os seus livros são obras de arte.  Talvez por isso, tenhamos tanta vontade de os coleccionar.


As Regras Do Verão comprova-a. Abrir o livro é entrar numa galeria onde estão expostos 20 quadros absolutamente deslumbrantes. Misteriosos, desconcertantes, surrealistas. Que podemos tocar, imaginem! 

Algumas das fabulosas ilustrações pareceram-nos familiares. Rebuscámos The Bird King and other sketches e os Contos dos Subúrbios e encontrámos o fio da meada. As dúvidas desvaneceram-se quando visitámos o site do autor, onde fala detalhadamente de cada uma das ilustrações e de toda a concepção do livro. Onde refere influências e inspirações que vão de Goya a Andrew Wyeth.


Este é um livro que nos aviva memórias. As regras decorrem das vivências estranhas e  bizarras de dois rapazes que mantêm uma estreita relação. Embora não se trate de um livro autobiográfico, como o próprio autor afirma, Shaun relembra  a relação próxima que mantinha com um irmão mais velho, as brincadeiras e deambulações de ambos pelas paisagens australianas.


Uma história feita de estranhezas, arbitrariedades e até de alguma crueldade, tantas vezes presente no mundo da infância. Mas também de emoções e laços que, cedo, aprendemos a estreitar com o mundo e os outros.

O Verão chegou ao fim. Não sabemos se quebraram as regras.  Nós, tal como Shaun, também tememos festas e convenções sociais. Jamais nos passaria pela cabeça comer a última azeitona. 



Mas lembrámos alguns dos nossos tornados porque, aqui e ali, sempre pisamos um caracol. Lembrámos, acima de tudo, um tempo simultaneamente ameno e tempestuoso, em que as relações entre pares eram geradoras do conflito e da sua própria resolução. 


Afinal, um tempo de cumplicidade. Talvez o único facto real  do livro de Shaun, a crer na inversão de papéis com que finaliza a história.


Também não sabemos se compreenderam as regras. Sigam o conselho de Shaun Tan: "O facto de nada no livro parecer inteiramente real, significa que não temos de nos preocupar com um interpretação literal."


Um desafio à imaginação, uma provocação ao sonho, uma espécie de jogo que desacomoda o leitor e o transporta nas asas do absurdo numa inquietante busca de respostas.


O Verão pode ter chegado ao fim, mas as regras perduram. São válidas para pequenos e grandes. Tal como perdurará o livro de Shaun Tan.  Vivam os livros!

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