Era uma final de tarde de Novembro. Eu estava empoleirado num ramo de uma árvore despida. Olhei em redor: eram só barracas cinzentas agrupadas num recinto vedado com arame farpado. Homens esqueléticos deambulavam pela lama e pela sujidade. No ar havia um cheiro acre e nauseabundo que nem o vento gelado conseguia dissolver.
Senti o assobio de um comboio a chegar. Era um comboio de transporte de gado e tinha muitos vagões, todos fechados a ferros. Os soldados inspeccionavam de um vagão ao outro, acompanhados de cães enraivecidos.
As portas abriram-se com grande aparato. Dos vagões saíram mulheres, crianças e idosos que foram agrupados em filas. Via-se o terror nos seus rostos.
Narrada pela voz de um pintarroxo, Il volo di Sara é uma história comovente. Sara é uma criança que, à chegada do campo de concentração, se apercebe do pintarroxo e chama a atenção da mãe para que o veja. A mãe nem lhe responde, tal é o puxão de força que sente no seu braço ao ser-lhe arrancada a filha pela mão de um soldado.
É aqui que começa a desenrolar-se a importante acção do pássaro, que decide assumir o papel de pai e mãe de Sara. Segue-a para todo o lado. Canta-lhe ao ouvido e acalma-a nas noites frias e escuras.
Durante o dia, o pintarroxo recolhe com o seu pequeno bico tudo o que consegue para levar a Sara: migalhas de pão, restos de batatas, legumes secos ou umas folhas de couve. Mas Sara emagrece e empalidece como um passarinho assustado.
Uma manhã, Sara segue numa fila de crianças, ladeada de cães, e sorri debilmente ao seu passarinho. Eleva os seus braços ondulantes como se quisesse levantar voo. E o pintarroxo, como qualquer mãe que cumpre o seu desígnio, empresta as suas asas a Sara para que voe para longe daquele lugar.
A liberdade, personificada pela figura do pintarroxo, é o objecto de desejo constante ao longo da narrativa. É o único indício de esperança. A ilustração marcadamente sombria é amenizada pela cor quente do pássaro. Proporciona ao leitor pequenos momentos de alívio por cada murro no estômago que página a página vai sentindo.
Editado pela Fatatrac (Itália), com texto de Lorenza Farina e ilustrações de Sonia M. L. Possentini, Il Volo di Sara é, indubitavelmente, uma obra de arte para integrar a memorabilia do Holocausto, sendo um dos mais belos livros de homenagem às suas vítimas.
(As traduções dos excertos são da autoria dos Hipopómatos.)
Lindissimo. Uma preciosidade
ResponderEliminarSim, Elvira. É um livro lindo, por isso quisemos partilhar...
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